sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Carunchos!



Meu namorado fez macarrão no jantar. Um macarrão delicioso, cheio de tempero que não posso comer atualmente, estou numa dieta ayurvédica que me impede de comer pimenta, tomate, carne vermelha, queijo amarelo e tudo o que ficou institucionalizado como "o melhor para um macarrão". Era menos cínico os indianos dizerem logo que não posso comer macarrão, mas não. Eles fizeram assim para que eu fizesse o meu próprio caminho até a verdade do não-macarrão.

Pois bem, estava eu nesse momento de loucura total, comendo um macarrão com molho vermelho e queijo amarelo, quando vi, já de barriga cheia, que o tempero contava com uns pedacinhos marrons que eu reconhecia de algum lugar, mas que no meu prato pareciam alguma novidade culinária das boas.

Carunchos.

Minha casa está infestada de carunchos, aqueles serezinhos que comem tudo o que veem pela frente e que você esqueceu de pôr em vidros. A comida, gente, não os carunchos! Quem guarda carunchos em vidros? Eu, hein. Então, verifiquei o pote de páprica e, de fato, era já de carunchos que faziam do tempero o confete de um carnaval sem fim, daqueles bem orgiásticos, de tanta gente que tinha naquele potinho de plástico. Tudo bem, tudo bem. Os índios enchem a cara de formiga, os indianos de grilos, porque não posso comer carunchos? Eles nada mais são do que bichos de goiaba, só que marrons.

Eeeeeca.

Larguei o prato de lado, terminei meu vinho e fui dormir.

Acordei estranha. Em posição fetal, me sentia confortável arqueada demais. Sentia minha pele brilhante. Virei caruncho.

Ora ora, demorou. Óbvio que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Sou um caruncho idiota, lerdo demais para perceber que estão vindo me esmagar, e o mundo está sempre me esmagando, mas de vez em quando, quando ele está lá muito preocupado com seus afazeres ele me esquece, ou me deixa de lado, caruncho é tão idiota que não se mata assim, pode até comer, li na internet, são super proteicos, e aí eu posso voar, é isso, quando me esquecem eu posso voar!!!! E posso comer páprica à vontade, furo o plástico e caio numa piscina de páprica, tão proibida toda essa picância, e daí, ninguém está vendo, e quando me descartarem vou com piscina e tudo para o lixo.



Não tenho mesmo muitas defesas naturais. A única coisa que posso fazer quando alguém vem me esmagar é ficar parada, esperando que a pessoa mude de ideia com minha insubstância. Mas parece que isso não é o bastante e seguem me esmagando, fato é que parece que as pessoas se sentem bem fazendo isso, deve ser pura vingança pela páprica, Rá, meu filho, vou te falar uma coisa antes de você me esmagar, o que você não sabe é que a páprica é só para a larica, sou mesmo é viciada em comer plástico, por essa você não esperava, carunchos pirando em polímeros sintéticos enquanto dançam numa pista de páprica picante. E depois voam. Chupa essa manga.

-Você está bebendo todos os dias?
-Não, todos os dias não. Mas todas as noites, com certeza.
-Mas você não me disse que tomava uma, duas tacinhas de vinho quando chegava em casa?
-Então. Vinho é para os dias que não estou bebendo.

Minha psiquiatra disse que vai me usar como exemplo de sinceridade para seus outros pacientes. Ora, ora, se te pago mil pratas por mês o mínimo que você vai ter que engolir é a minha verdade, minha filha. Ah, se não! E me dê um antídoto aí, que depois dos trinta o melhor que se tem a fazer é descobrir os antídotos, suco verde, academia, gengibre fresco, vodca ou água de coco, só um idiota para achar que tanto faz, vodca é para tristeza, água de coco para a vodca, e assim vamos vivendo.

Então, voltando, nessa sessão e eu falei para ela que estava super confusa com as pessoas que não bebem. O que elas fazem? É tempo demais de vida à toa... E como se comunicam? Como limpam a casa? Como fazem amor? Estendem a roupa no varal, molham as plantas, vão ao cinema, falam com o porteiro? Como se divertem, leem livros e viajam? Mistério...

E aí veio o "convite".

Um "convite" para ficar sem beber durante alguns dias.

Vocês sabem, ela atende o Caps, que é o Centro de Assistência Psicossocial, ou algo que o valha, ou seja, mendigos alcóolatras e drogados. E ela estava me dizendo tudo isso para explicar que era contra abstinência, que prefere trabalhar com o conceito de "redução de danos", mas que, no meu caso, ela achava válido que eu ficasse uns dez dias sem beber, assim, se eu quisesse, não era uma imposição, era um convite.

-DEZ DIASSSS???
-Tá bom, vai, que tal oito?
-Hummmm....
-Ainda está muito?
-Estou pensando se não tem nenhum evento que não posso perder.
-Sempre tem.
-Tá. É. Tá. Oito dias. Terça que vem posso beber? Terça que vem posso beber. Combinado. Acho que sobrevivo. Vou riscar minhas paredes com tracinhos de presidiário e te mandar uma foto.
-Ah! Tem mais uma coisa: inclusive acho que você deve aceitar os convites para ir aos bares. Acho que você pode se surpreender, se divertindo muito sem álcool.
-Uhummmm.... (totalmente incrédula).
-É um CONVITE PARA UMA EXPERIÊNCIA DE AUTOCONHECIMENTO! (palavras lindas para idiotas como eu que leram "Comer, Rezar, Amar" acreditarem que ficar oito dias sem beber vai mudar sua vida por completo).
-Tá, beleza, eu topo! Vai ser legal!
-Boa! Ah, Helena, podemos marcar a sessão da semana que vem para outro dia? O doutorado vai começar a me impedir de consultar às segundas-feiras.
-Ok. Qual mesmo é seu tema de estudo?
-Hahahahhahaha, você vai gostar! É sobre alcóolatras e drogados.
-Ó, que interessante! Estuda direitinho. Você vai precisar.

Hoje é sexta-feira. O dia tabu. Já fui a dois botecos na semana, só na coca-cola, já ouvi todas as retaliações de amigos dizendo o quanto sou idiota, que tem coisas, tem coisas que não se falam para uma PSICÓLOGA, tá doida? Imagina, isso não se fala, mas então, algo me diz que o pior ainda está por vir.

Quer saber? Depois dessa semana vou ficar super autoconhecida e aí vocês vão ver, estou no meu quinto dia e acho que vou ficar mais um pouquinho, pode ser que eu aprenda alguma coisa nessa parte do caminho, já cantaria a Tulipa. Sobrou tempo até para escrever... Sabem? Acordei seis horas da manhã hoje! Caruncho, mas acordei. E sonhei que tinha tempo livre, tempo demais para fazer tudo o que eu queria e que eu podia até voar.  




***

Para ouvir:
Tulipa Ruiz, "Efêmera"> 
https://www.youtube.com/watch?v=Bo8Gg6dGIIQ




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Um comentário:

  1. "-Uhummmm.... (totalmente incrédula)"
    Como o melhor das cenas é sempre o que não é dito!! rsss

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