É verdade que eu estava de ressaca quando gravei esse
programa. Todos nós estávamos. Como uma boa equipe que quer permanecer unida,
bebemos unidos um dia antes, na casa do Uriel, o editor e sócio da Cazota. E é
verdade também que os cariocas adoram esticar as horas livres o máximo que
podem, e isso significa, muitas vezes, ir trabalhar na segunda-feira bem
chumbado. Mas eu gosto dessa coisa, para ser sincera. Quem trabalha domingo não
tem como guardar muitos pudores com a saúde física do dia seguinte, não. E a mental...
bem, ela às vezes funciona melhor desse jeito.
Eu estava doida de vontade de conhecer essa tal cachoeira.
Alguns amigos já tinham ido passar o dia lá, e me falavam com um ar blaseé, “hoje
não vamos à praia não, vamos à cachoeira”. Como assim? Todo mundo sabe que chegar
em cachoeiras exige viagens e trilhas bandidas, a não ser que você já more no campo. E a não ser essa cachoeira. Essa
pulsa mesmo dentro do coração da floresta da Tijuca, bem na meiúca da
urbanidade e da poeira e de toda a nojeira do asfalto.
Realmente é fácil de chegar, dá até para fazer isso de
ônibus (linhas 409 ou 416, ponto final). Logo de cara, no início da subida para
a Vista Chinesa, a gente encontra uma represa. É lá que é cheio de ebó. Nada
contra, gente. Nada contra MESMO! Acho a religião inclusive muito bacana. Mas
não dá pra ficar na florzinha não? Não tem um jeito de não deixar aquele monte
de comida lá? Chama rato, barata, bicho de tudo quando é jeito. Acho que o santo
vai entender se você explicar direitinho que não queria poluir o local...
A trilha é razoavelmente tranquila. Tem alguns pedaços que
impossibilitam pessoas com deficiência de passar, como por exemplo uma parte
que é necessário subir com a ajuda de uma raiz, mas de resto acho que não tem
grande mistério não. Também tem isso: morar em cidade grande significa que você
nunca vai pra um lugar sozinho. Se 0,001% da população tiver a mesma ideia que
você, o lugar vai lotar. Daí é só perguntar o caminho para alguém por lá mesmo que
você consegue chegar.
Devidamente revigorados, seguimos em frente até a Vista
Chinesa. Se você não tem um preparo físico bom, acredite, lembrará desse
passeio por mais ou menos uma semana. Então pode ir de carro, ou combinar com
um taxista para esperar, ou subir outro dia. Mas podendo, não deixe de ir: a
estradinha que leva até lá é uma belezura, até a temperatura muda, toda
encalacrada de floresta que é em volta. E do alto do verdume tem a vista mais
clássica do Rio de Janeiro, com um quiosque pseudo-chinês lá em cima que dá
umas boas fotos. E você sempre pode tirar uns minutos para observar turistas estrangeiros
em seu habitat natural.
O Cadeg foi a nossa primeira gravação. A equipe já frequentava o local, conhecia um bocado daquilo ali. Nessa primeira experiência com a turma, tive o prazerzaço de contar com a presença da Juliana Amorim, que foi, por anos, a produtora que trabalhava comigo no Em Movimento, ainda no Espírito Santo. Ela estava de passagem aqui no Rio e a convidei para acompanhar a gravação. Claro, isso me deu um ânimo diferente, desabituada que estava com aquela turma, como já disse, essa coisa de gravação é uma das paradas mais íntimas que existem, você expôe seus erros o tempo todo para os colegas, um tem que entender o jeitinho do outro, e se não quiser entender, normalmente o serviço sai uma bosta.
Enfim, lembro bem de como estava quente. Pensei que jamais conseguiria trabalhar nessa cidade. Melequenta de suor na primeira sonora, pelo menos eu estava num ambiente que considero total a minha praia – cheia de gente simples, com comida boa e muita coisa para olhar. A gravação rendeu uns bons dois cartões, sinal de que o Beto – cinegrafista – ia ficar puto da vida, o que não aconteceu, e o que já era um milagre.
O pessoal que nos recebeu por lá me deixou de cara com o tratamento. No Espírito Santo eu não estava acostumada a ser tão bem atendida assim, de cara, para um programa de internet (!) que sequer existia(!!!). Nos levaram a todos os cantos, nos explicaram tudo, abriram rodas de conversa, nos deram cerveja gelada e uma bela mesa banqueteada com todos – TO-DOS! – os pratos disponíveis na festa portuguesa. Cheguei em casa meio alta, cansadíssima de tanto calor e tive uma DR com meu namorado, que até hoje não entende direito que às vezes eu preciso beber no serviço, mas valeu a pena.
Eu adoro me enfiar em um mercado. Todos os que conheci eram lotados de história, aspectos da cultura local, comida e bebida fartas. Esse ainda é entupido de produtos fantásticos e fica perto da minha casa. Um toque de pertencimento a uma Zona Norte ainda pouquíssimo explorada e festejada, aquela gravação começava a fazer sentido em tudo o que eu queria aqui, ainda mais com tanto vinho e planta em volta de mim. E eu descobria que exercer meu serviço aqui, ao contrário do que imaginava (e como muita gente gostava de ameaçar) parecia muito mais fácil. Cariocas falam, se a gente puxa conversa eles dão pano para manga, riem junto e estão acostumados com câmeras. Ninguém fica com vergonha ou “prefere não se expôr”, o que facilita muitíssimo o meu trabalho.
O legal do Cadeg é que ele é um ambiente verdadeiro. Pelos motivos mais diversos, todo mundo que eu levo lá fica com vontade de voltar. Papai ama a diversidade de vinhos e principalmente os preços. Mamãe se perde nas plantas. Cesinha e Tati adoram o PF de bife. Acho que Juju super curtiu a mini aula de cervejas importadas, a equipe adora comer lá no fim de semana, ouvindo um chorinho, e eu gosto muito da feijoada do Barsa e dos lombos de bacalhau ponográficos que expõem por lá. É um lugar genuíno, raro no Rio, que não vai te cobrar mais caro pela vista, mas sim pela qualidade das coisas.
Serviço: Vá de táxi. Permita-se beber uma cerveja por lá, ou mesmo um vinho. Tem locais climatizados muito bons, onde você pode comprar uma garrafa na própria loja, a um preço bem bacana, para acompanhar a refeição. Ah! E se for fora de temporada, você ainda pode topar com o Papai Noel.
Ter ideias até que é fácil. Difícil é estruturar, botar em
prática. Começar, então, é sempre um desafio, seja lá onde você quer se meter.
Com o Rio aos 30 não foi diferente, e o tema do primeiro programa não surgiu de
uma hora para outra. Na verdade, já havíamos gravado alguns quando tivemos a
ideia de fazer exatamente o oposto para abrir os trabalhos. Um dia inteiro de
tursimo bundão. Já começamos a rir só de imaginar a equipe gravando nos lugares
mais espalhafatosos, gringos e azerbaijanos do Rio.
No Pão de Açúcar
A gente saiu para gravar num sábado de manhã, e é verdade
que os cariocas são super proativos. Um monte de gente encalacrada na pedra do
bondinho logo de manhã é uma coisa que choca a gente. Aquele monte de bagulho sendo
vendido, não maconha, bagulho mesmo, aquelas sombrinhas com cenas de
cartões-postais da cidade, horroroso, quem compra aquilo, gente? E depois a
companhia aérea ainda vai achar que se trata de uma arma, e de certa forma eles
têm razão.
Entra numa fila, tudo bem, por aqui se descobre rápido que
coisas boas têm fila, aaaaaaaaaaaaaaahhhhhh, então você tá me dizendo que o
bondinho é uma coisa boa? É sim, eu acho uma coisa boa, não é porque é ridiculamente
voltado para os turistas que não seja bom, os turistas têm cérebro, mesmo que
refrito por ácidos e álcool eles têm cérebro, eles sabem o que é bom, e um
treco que te sobe para você apreciar uma bela vista ao invés de te atracar com
uma pedra quente às sete da manhã de sábado não é bom não, é ótimo.
Chegando aos pontos, só dá pra dar graças a Deus que a
equipe é formada também de cariocas. As descobertas são de verdade, tipo, se
ninguém me avisasse eu REALMENTE ia fazer a trilha até o nível do mar de novo.
É mesmo mal sinalizado, e os serviços surgiram de necessidades que eu ia
encontrando de não me perder por aí... (Pode até ser que eu seja meio lenta
para perceber as coisas, mas duvido muito que turistas com o c* cheio de cana
de uma semana seriam mais espertos do que eu).
Bom, a esse serviço segue-se o povo fala mais inútil que já
se fez em toda a história do audiovisual brasileiro, com aqueles proativos
felizes que estão, ou não, todos os fins de semana escalando as pedras do Rio de
Janeiro, com pessoas de fora, e também de brasileiros, já que estamos dentro do
Brasil.
E aí descubro que minha voz fica muito estranha quando dou
urros de alegria, o que pode acontecer com a visão de um creme para as mãos de
graça. Quando digo que apresentadores não têm a menor noção de como vai sair
essa porra no ar, é disso que estou falando, e a gente só descobre junto com
todo mundo , ah, como gravar pode ser gratificante, a gente aprende muitas
coisas. (E se alguém aí está curioso, ainda não conseguimos o patrocínio da
Natura).
Gente, os pratinhos. Os-pra-ti-nhos. Os pratinhos são feitos
com fotomontagens horrendas. As imagens (vendidas também), são tipo, não
consigo nem descrever. São tipo de
pessoas photoshopicamente sentadas na mão do Cristo, ou em cima do morro da
Urca, ou tomando banho na Lagoa. Um horror.
Em Copa
O lance do espetinho de camarão é o seguinte: sempre quis
comer aquilo. Quem nunca? É uma das coisas mais esteticamente bonitas pro meu
paladar. Camarões gigantes e vermelhos passeando pelo céu da minha boca
enquanto olho o mar, é de chorar de vontade. Mas lógico que rola aí um trauma:
minha mãe NUNCA deixou eu comer esse troço. Nunca nunca nunca nunca nunca. (Daí
que quando eu saí de casa, um belo dia, passou um desses vendedores na minha
frente e eu não resisti. Como um símbolo máximo da minha rebeldia e
independência recém adquirirda, comprei um espetinho. Óbvio que no mesmo
instante liguei para ela e contei. Ela, do outro lado da linha, ainda tentava
me impedir da loucura: “nãããããão, minha filha, não coma isso!!! Não coma o
espetinho de camarão!!!!”, “vou comer sim, a vida é minha e faço dela o que eu
quiser”. Eu não morri, mas tenho certeza absoluta que Deus só fornece uma
chance para cada ser humano experimentar a iguaria. E olha que eu sou do
tipinho que come ostra crua. Ah! Declaração importantíssima: é mais bonito que
bom).
Uma das coisas mais legais de fazer quando se vai para Copa
é passar por gringo. Se você não tiver uma cara muuuuuito de brasileiro, seja
lá ela qual for, vão te tomar por gringo. Daí é só não falar muito, deixar os
ambulantes falando sozinho em inglês. É super divertido. (Minha nacionalidade
avatar no Rio é francesa, tá gente?)
Uma coisa que PRECISO desabafar dessa gravação é que a piada
infame do Lelek line não é minha. NÃO É MINHAAAAAAAA!!! HAHAHAHAHAHHAAHHAHA!
Foi o produtor que mandou essa, e eu não resisti e falei, mas não foi ideia
minha, eu juro, hahahahahahah!!
No Cristo
O Cristo é legal. Gravamos tudo no mesmo dia, eu já estava
um bagaço, mas o pôr-do-sol que pegamos foi realmente incrível. Sempre dá para
você se divertir tentando sair de penetra nas fotos dos outros, e é bom que
você tenha metas mesmo, senão pode cair num mau humor tremendo, eu que detesto
esse monte de gente se encostando para ver as coisas com certeza teria
desistido se não fosse a gravação (ahhhhhh, como é bom, tá vendo? Gravar é
ótimo), e infelizmente não deu para vocês entenderem a piada “deita no chão,
Beto”, Beto tem uns quinze metros de altura, ele não deitou no chão, mas seria
ótimo ver isso.
Serviço:
Vá de blusa com mangas no Cristo. As banhas do braço ficam
horríveis na foto de baixo para cima.
Epílogo
(Uriel, o editor, falando com o cara do som): -Carlão, tem
como você arranjar uma base para introduzir um punk rock?
(Carlão): Olha Uri, punk rock é um estilo... conhecido
por... não ter introduções, e tal.
(Uriel): Pô, mas preciso de uma base aqui. Qual é o nome
dessa música, Helena?
(Helena): Éééé... “urubus não têm ressaca”.
(Uriel): “urubus... não... têm...”
(Helena): Você tá mesmo procurando ESSA MÚSICA no GOOGLE?
Uma das maiores falácias que o homem inventou foi que
“aprender é bom”. Aprender é uma merda, gente. Bom é já saber.
Meu texto de hoje é baseado nessa mentira descabida que
estão por aí reproduzindo há séculos. Vou botar minha boca no trombone pra
falar o que todo mundo sabe, mas continua repetindo o oposto. Aprender é
horrível, dolorido, impetuoso, no mínimo chato. Parei de frequentar aulas de
inglês porque achava insuportável aprender uma língua em regras estampadas em
caixinhas verdes. Boring, boring, boring. E se você tem dificuldade na
Matemática pode decorar a tabuada, saber a tabuada é muito bom, mas você não
pode decorar, tem que INTERPRETAR a tabuada, como faz isso? Mais uma mentira,
socorro papai do céu, como sou burra, não consigo INTERPRETAR a tabuada, É
PORQUE É IMPOSSÍVEL FAZER ISSO MINHA, FILHA. Pode entrar no Kumon, também, que
é a versão nazista dessa pseudo-interpretação. Joia.
Ou aprender Português. Você pode ler livros, não aprender
Português. Você tem que falar, e ler, e falar, e escrever, e uma hora começa a
cometer menos erros. (E o google também ajuda).
Mas isso tudo é na parte fácil da vida, porque também tem a
difícil, tem quando a gente precisa aprender a lidar com PESSOAS. Isso sim é
complicado. Porque PESSOAS são seres estranhos e indecifráveis. E
imprevisíveis. Quando você chora e pede pelamordedeus, a maioria lambe os
beiços para tacar sua cara no meio fio. Isso depois de ter passado o caminhão em cima
de você. E um cachorro ter mijado no seu olho direito.
Estou escrevendo assim, desse meu jeito doce, porque fui atropelada
há pouco tempo. Sabe quando parece que a gente já viveu demais para não
acreditar não ter previsto o furacão? O tempo virou na minha cabeça, nuvens
pretas carregadas de duendes saltitantes dizendo “toma cuidado, minha filha”, e
eu fui lá, com um guarda-chuva feito de metal pra escorrer melhor o raio pra
minha cabeça. Se foi ruim? Foi horrível.
Mas... aquela coisa. É ruim aprender, mas péssimo não ter
vivido. Por isso, não trocaria por nada, sei que tive, na verdade, uma bela de
uma oportunidade. Já estava sabendo, Osho tinha me contado. “Veja a destruição
como se fosse com outra pessoa”, ele me avisou ao pé do ouvido. Tentei o máximo
que pude, e permaneci em pé.
É muito difícil aprender, mas saber é uma das coisas mais
gratificantes que existem, e é só por isso que a gente se fode. O tsunami
arrancou tudo em volta, mas depois caíram algumas flores em volta de mim, com cara de bênção e raiz forte o bastante
para replantar. Dessa vez saberei onde, quando, em qual lua, um monte de coisa
que só quem foi atropelado sabe. Que bom.
Sabia, sabia, sabia que tem gente que vai te abraçar no fim
do mundo?
Agora estou aqui, só agora, ainda bem, deu tempo de
rearranjar um pouco as coisas, mas agora estou assim, gripada com aquela gripe que
te atropela, mas agora você não permanece em pé de jeito nenhum, ela te faz
cair para você lembrar que tem esse direito, nem que seja distante, escondido. Tenho
trinta anos e já sei que esse é o tempo da Terra para a recuperação. Dói o
corpo, a cabeça. Parece que você está constantemente bêbado, só que de meleca. Ah, é assim, é assim que a gente se sente. Sua boba, precisa
dessas firulas, uma dosezinha de autopiedade só para ficar preguiçando com
alguma desculpa boa. Dá é graças a Deus de você não bater ponto, ninguém ia te
permitir isso não, tá? Tá, mas provavelmente eu não seria tão atropelada assim
também, ora bolas.
Enquanto isso eu durmo, jogo Candy Crush, sonho com espíritos.
Eles me pedem ajuda, e as coisas por aqui acabam me parecendo simples demais.