quarta-feira, 1 de maio de 2013

Sobre o medo



Muita gente me pergunta como foi o processo da minha mudança, e só agora tenho condições de escrever sobre isso, paciência que capim tem que ser ruminado antes de virar palavra. O fato é que essas pessoas tomam sempre como corajosa a minha atitude de largar o emprego, vender o carro e mudar de cidade. Vou começar esse blog destruindo essa versão muito bonita da história, que no meu caso, senhores, não foi coragem não, no meu caso foi por medo.
Essa sensação é um pavorzinho que foi crescendo de fazer quarenta anos e perceber que já não ia dar mais pra tentar vender uma imagem jovem pro mercado de trabalho televisivo. Um medo concreto de virar mais uma pessoa frustrada em uma cidade boa demais para ser tão pequena. De pensar que os anos iam passar num puf e eu estaria com umas crianças em casa sem saber direito daonde surgiram, com o mesmo emprego, no mesmo lugar, e de repente pensar, jesus cristinho, eu nem tentei. Acho inclusive que no belo dia em que eu resolver engravidar, vai ser por puro medo de fazer mais de 35 anos e não dar mais tempo, aliás, tenho certeza que vai ser assim, porque duvido muitíssimo que em quatro anos aconteça um epifania louca que deixe minha vida de novo regular o bastante para eu me sentir capaz de virar mãe.
Foi com esse tantão de medo na bagagem que eu comecei essa história, há um ano, mais ou menos. A crise dos trinta bateu e foi com força, e aqui estou eu, no Rio, escrevendo agora porque só agora consigo respirar, sentir a nova cidade como minha também, o apê alugado como meu lar, e o trabalho se delineando como uma benção de tudo o que eu queria e nem tinha ideia há um ano.
O frio na barriga persiste, mas bem mais controlado. Daqui a alguns dias eu faço 31 anos, e a poeira dessa nova adolescência começa a baixar, agora com mais alegria que embrulho. Sou uma thirtynager, e aposto que muita gente vai entender do que eu falo aqui: os trinta, gente, é mais um começo de vida. A gente muda os gostos, começa a ficar cafona, mais compreensivo para algumas coisas, completamente intolerante para outras. Começa a gostar de culinária, crítica de arte e planta plantada. Dá valor à preguiça e começa a se esquivar de coisas que já sabemos que serão uma porcaria de fazer. Acha alguns trabalhos fáceis demais, e alguns desafios muito grandes para quem já viveu três décadas. Ou então aos trinta a pessoa para de beber, de fumar, se converte. O fato é que, me parece, essa idade bate de um jeito diferente para a maioria.
Para quem ainda não chegou lá, algumas palavras sobre porque considero os trinta anos uma segunda adolescência:
Ter trinta anos é aprender a lidar com um corpo que a gente ainda não conhece, que está passando por mudanças, que não responde prontamente à academia, mas com certeza, no dia seguinte, ao álcool. A gente aprende a usar short embaixo do vestido, e se veste melhor pra ir trabalhar que pra se divertir. Prefere muitas vezes vinho a cerveja, fogão a self service, francês a hollywood, cama a balada, livro a cama. Faz dieta e cuida da pele. Entende que todo Burger King tem consequência. Aprende, de uma vez por todas, qual é o melhor corte de cabelo pro seu rosto.  
Com trinta anos a gente aprende que existem coisas muitas vezes mais valorizadas no mercado de trabalho que competência, como pontualidade, mediocridade e self promotion. Entende que ser o melhor na sua função não te garante salário, e que as contas ainda ficarão no vermelho por mais tempo nessa vida do que sua vã cabeça de universitário imaginaria. Dá valor a um bom sofá, porque foi difícil comprar e porque é quem sempre te abraça.
Aos trinta a gente fica paranoica de pensar se quer ter filhos ou não, porque tem mais cinco anos e só pra decidir isso, e o que são cinco anos, pra uma cabeça que já guarda caixinhas de memórias sanfonadas, como a faculdade, que durou o dia da apresentação aos colegas de turma e o seguinte, o da formatura. Entende que ter um filho significa conhecer dezoito países a menos, e talvez valha a pena. A gente descobre que pai e mãe não são pra sempre, e às vezes chora copiosamente por causa disso.
Com as ruguinhas que começam a surgir e a barriga que você desiste de derreter também vem uma certa calmaria, graças a meu bom deus pai. Com trinta anos a gente ganha o direito de oficializar o seu chocolate preferido, de usar batom vermelho pra ir à padaria, de voltar a patinar e cair no chão de novo. Aprende a ser firme nas decisões, porque só isso é que conta. Aprende que ser sonhador não é problemático, e sim não tentar trazer o sonho para o plano real por puro medo de fracassar. Entende que as melhores coisas da vida exigem esforço, e esforço é uma coisa que a gente não sabe o que é direito, até os trinta. A gente descobre que cachoeiras tem poderes mágicos e que 90% das doenças que pegamos é só o corpo pedindo um abraço. Que pessoas que viveram determinados pedaços da sua vida jamais sumirão porque em determinado ponto viraram um pedaço de você.
Daqui a uma semana faço 31 e estou vivendo o pior inferno astral de todos os tempos. Isso inclui entender que sair dos trinta é ir em direção aos quarenta. Fechar o ciclo dos vinte, reencontrar pessoas que ainda são pedaços muito grandes pra não existirem todos os dias. Perdoar algumas. Deixar outras irem. Pedir perdão. Meus infernos astrais costumam ser pesados, mas esse em especial me fez passar muito mal, desmaiar duas vezes seguidas, e pensar que preciso fazer check up, porque aos trinta a gente tem que ir ao médico de coração e ao endocrinologista. Mas toda a parte chata vem com uma sensação de pertencimento que antes não existia, porque é seu pertencimento com você.
Ainda não sei direito o que isso significa, mas sei que a jornada tem que ser maior do que ver uma tv enfadonha que passa sempre os mesmos padrões de vida a que estamos acostumados. Alguma coisa tem que ficar pra trás, e, que sorte, quando a gente tem trinta anos, tem toda a energia do mundo pra realizar, e sabe como fazer isso, e se não sabe, pode tentar um milhão de vezes e de repente dá certo. Ou dá errado, mas também, tudo bem.
Não era a minha intenção fazer um post de autoajuda, mas com trinta anos costuma ficar bem difícil escrever alguma coisa que não soe como frase de facebook. Então, vai uma dica: se algum dia você estiver se cagando de medo de fazer uma grande mudança na sua vida, tome uma dose cavalar de vinho e reflita sobre a mariola que você vai “deixar pra trás”. Depois da terceira taça, a gente entende que não dá pra deixar nada pra trás, que carrega as experiências moldadas em um papel muito mais bonito do que foi enquanto acontecia, e tem que ser assim senão a gente ia virar chato depressivo ao invés de autoajuda. E depois da quinta taça, a gente percebe que medo é uma coisa que dá, até de passar batom vermelho pra ir à padaria, mas paciência, que pão quente é insubstituível, e encontrar o porquê do batom, só daqui a um ano.

4 comentários:

  1. Querida Helena, se me permite que a chame assim.
    Passei por esses momentos críticos da "Era" dos 30 a 16 anos atrás e confesso que foi paranóico com força. Hoje, do alto dos 46, posso te dizer com a graça de uma vida bem vivida, que não fiz tudo o que gostaria de ter feito mas trago aqui comigo uma certeza que me confere uma grande tranquilidade: dei o melhor que podia, o meu melhor para cada situação que vivi. Daqui a pouco já faço cinquentão (e como você bem disse, passa rápido demais!). Acho que para amenizar o significado disso, a evolução humana trabalha a favor dos que têm consciência de que fizeram o melhor, sem prejudicar ninguém, ou se isso aconteceu foi sem a intenção. E não esqueça, o processo de busca e de vencer desafios só acaba quando se morre, mesmo assim há os que acreditam que não acaba. Um grande abraço e luz na sua busca. Cláudia Cruz.

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    1. Que ótimo comentário, Claúdia! Muito obrigada pelas palavras "do alto" dos 46.
      beijos

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  2. Oi Helena,

    depois do medo te desejo muita felicidade :D

    Todo mundo sente medo mesmo, eu senti isso foi aos 23 quando estava para me formar na faculdade e me vi sem estágio e sem emprego. E isso era o que eu tinha planejado para não acontecer.

    Mas deu tudo certo.

    Beijos

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  3. Ótimo! Apesar de não precisares mais, vale uma olhada nessa lista da Complex. ;) http://www.complex.com/art-design/2013/06/life-hacks-for-small-apartments/?utm_campaign=complexmag+socialflow+06+2013&utm_source=facebook&utm_medium=social

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