sexta-feira, 27 de março de 2015

Robert Plant


Fui ao show do Robert  Plant. Não sou uma pessoa muito ligada em shows musicais, aquele monte de gente na sua frente pra ver um fantasma de cabeça estourada pela luz, mas em alguns eu faço questão de ir e essa era umas dessas raras oportunidades de ver algum artista que pra mim é mágico. Foi programado: uma amiga das antigas, que aliás já passou uma boa parte dessa vida ouvindo Led Zeppelin comigo, trocou o horário do serviço e pegou um avião no meio da semana para o evento em questão. E digo por ela, valeu a pena. 

À tarde, antes de irmos para o show, conversamos caminhando pela rua que “a gente não estava esperando por um cover do Led”, concordando que o Robert, por mais que a gente tenha congelado a imagem dele lá, ele mesmo, para nosso orgulho, não parou no tempo. Ele estava tocando umas coisas mutcho loucas, sobre as quais eu pouco sabia, nada além de juntar as pegadas indianas marroquinas exóticas que ele tanto gostava com sintetizadores e algo assim, eletrônico, sabe? Moderno. A gente não estava nem aí, na verdade queríamos era estar na mesma sala que aquela entidade pra saber se ele existia mesmo ou era igual ao homem que “foi para a Lua”, obviamente uma mentira criada na Guerra Fria para dar alguma esperança aos nossos corações. Mas eu acredito que o homem foi à Lua. E eu acreditava no Robert Plant.

Quando chegou a hora, enfrentamos um ônibus atééééééé a Barra da Tijuca, e ela me disse que a música Ten Years Gone não saía da sua cabeça desde quando ela acordara, eu só respondi que bom que não é “olha o piupiuô-pirulitô” e ela concordou. Que bom. Que bom.

O ônibus não nos levou onde o Google Maps disse que levaria, então pegamos um táxi, e uma fila para pegar ingresso, e fila pra pegar cerveja, e empurramos umas pessoas para encontrar um lugar razoável para ver o show. E aí eu vi o Robert Plant. Olhei bem na cara dele (da tela que estava do lado do palco, não foi mesmo de pertinho, com o ingresso que eu podia pagar), mas eu olhei bem na cara dele e foi muito estranho. Parecia que eu já o conhecia há zilhares de anos, o que é a mais pura verdade. Ele existe! E o homem, portanto, pisou a Lua, e a Nasa não esconde da gente que os extraterrestres existem  e não, ainda não inventaram a cura para a Aids, infelizmente, melhor do que fechar a questão num egoísmo econômico do que a total falta de fé na humanidade. Robertiiiiiiiiiii!!!! Uhhhuuuuulllll!!! Eu gritava com a minha garganta dolorida de uma gripe mal curada enquanto confirmava a sua existência.

Ele tocou como pela primeira vez aquelas músicas. E nós, que não esperávamos por um cover do Led Zeppelin, ouvimos muito felizes algumas. Minha amiga, tal qual uma fã adolescente de Luan Santana, começou a chorar. Porque ele começou a cantar. Ten.Years.Gone.
A edição não é das melhores, mas tem tradução, para de reclamar.)

A sensação era que aquela música me carregava no colo. Entre Leds e novidades, Mr. Plant me enaltecia a vida e gentilmente apresentava minhas novas músicas preferidas. Enquanto ele cantava eu via um cara bacana, que era pra ser um vovô fazendo tricô, cantando a Verdade em cada sílaba das músicas novas e velhas, todas como se fosse a primeira vez. Eu só pensava como é bonito ter trinta anos e gostar desse vovô. Obrigada, vovô Plant! Você é fodão. Como pode um artista fazer isso assim, como se fosse fácil? Eu entrava num estado de transe, assim como ele, saboreando músicas como quem, de ressaca, come um Cheddar MacMelt.

Ele, de alguma forma, me apresentava a Verdade. 

Na minha cabeça, ele discursava. “Pessoas de trinta anos, uni-vos! Homens, deixai vossos cabelos compridos, ainda que as entradas lhes comam os lados da cabeça, porque é bonito. Mulheres, só façam as unhas quando tiverem vontade, e pode ser só para passar base ou só para ficar com as mãos coloridas! Cortem suas roupas, desfiem seus próprios jeans, reparem as bainhas com seus estiletes. Balzacos, não se envergonhem de suas tatuagens verdes, elas são a prova de quem achava bonito riscar o corpo em uma época quando isso ainda não era moda, pelo contrário, era marginal, no melhor sentido da palavra. Vocês, que acharam realmente que iam causar nas suas velhices por conta de alguns desenhos, mal sabia que o mundo ainda se encheria de letras em japonês, estrelinhas, tribais e Moãe Minha Bainha”.

                            obviamente retirado da internet

(Tá, talvez ele não falou exatamente assim, mas foi isso que quis dizer o discurso dele).

Continuando, não vamos atrapalhar o Plant, ele dizia “Isso mesmo, deixem que suas pálpebras caiam com a quantidade de paisagens diferentes que vocês arquivaram de suas viagens... e que suas olheiras reflitam todas as horas que trocaram o sono por olhar o firmamento! Cantem seus hinos e se esqueçam de gravar o show. Chorem. Gritem. Dancem. Esta é a última geração que sabe dançar. É estranha, e quem sabe do que vocês gostariam se tivessem nascido uma década mais tarde? Talvez ótimos artistas da internet. Mas vocês não nasceram e são testemunhas de um tempo bom”.

A música acabou. Ele parou de discursar. Tudo fazia sentido pra mim.

Plant tocou, sei lá, por pouco mais de uma hora talvez. O show foi miseravelmente rápido, mas ele fez tudo como da primeira vez. Ele me deu de bom grado o que queria dar, o resto seria exploração do seu espírito.

Saí de lá com uma certeza:  a Verdade é a deusa mais bonita. 

 
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segunda-feira, 23 de março de 2015

#universo30: Partiu macumba! (parte 1)

                                 vista do Hotel Ilha do Boi

-Heleninhaaaaaa.....
-Quê que foi?
-Acorda, Heleninha....
-Me deixa dormir, Elisa, amanhã começa o festival!
-Eu não vou deixar você dormir, hahahahahahhaha!!!! Você tem que conseguir a ovelha branca pra mim!
-Ovelha, que ovelha?
-A ovelha, Heleninha... branca e azul.
-A ovelha é branca ou é azul?
-Se concentra, Heleninha! A ovelha é branca. Qualquer coisa pergunta pro Fran.
-Tá, tá, agora me deixa dormir!

Novembro de 2013, um dia antes do Vitória Cine Vídeo começar, pela primeira vez eu ia fazer a Coordenação de Produção e a Elisa me aparece. Não sei há quanto tempo ela já havia morrido, mas já era conhecida a lenda entre os que sempre trabalhavam no Festival que ela todos os anos voltava para trabalhar também. Dizem que até os funcionários do Hotel Ilha do Boi, sede do evento, falavam de uma “moça gorda de lábios vermelhos”, a descrição perfeita da beleza abundante de Elisa.


                                                   retirado da internet


No café da amnhã falei do povo do meu sonho. Uma mãe de santo fazia parte dos profissionais e disse que a ovelha era um símbolo de animal na qual os mortos poderiam incorporar. Beleza, mas ela me falara de uma ovelha específica. Que ovelha era essa?

Em meio a uma produção gigante a gente foi à caça, e lógico, a primeira pessoa que fui perguntar era o Fran, ex-marido de Elisa. Havia uma bolsa que ela gostava muito, em formato de ovelha, mas estava em São Paulo, impossível de conseguir. Então que ovelha era essa, gente? Tinha alguma coisa azul, mas não sei direito o que é. Azul? Estranho. A mãe de santo começava a se desesperar, o festival já havia começava e Elisa não aparentava estar com nenhuma paciência com a nossa procura. “Ela vai baixar em mim”, dizia a doce mulher, e a gente sem saber o que fazer no meio de tanto trabalho.

No final do dia surgiu uma solução: vamos FAZER uma ovelha! Saíram atras de bolinhas de algodão e assim saiu essa mistura de carneiro e cachorro naif a qual chamávamos de ovelha.  
                              ovelha naif

Achamos que estava resolvido, a cadeira de Elisa estava separada para ela trabalhar, ninguém podia mexer, muito menos sentar nela, o povo do hotel achando cada vez mais excêntrico esse povo que “mexe com cinema”. Tocamos a produção, conscientes de que Elisa ficaria satisfeita ao menos com nossa tentativa em agradá-la.

Até que lá pelo meio do Festival conversamos com uma amiga de Elisa que dizia saber de qual ovelha se tratava, um bichinho de pelúcia fofo. Com um lenço. Azul.

                                            ovelha oficial!

Substituímos a ovelha naif horrenda pela oficial. Agora Elisa podia trabalhar feliz.


Continua...



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domingo, 15 de março de 2015

#rioaos30FDS: Sampa!

Quanto mais pra Zona Leste de São Paulo você vai, pior vai ficando, até você chegar no Rio de Janeiro.  (Paulista anônimo)

Nem Dante conseguiria imaginar um inferno como uma cidade de fumaça cortada por um rio de merda. (Carioca anônimo)

O melhor de não ser carioca nem paulista é poder rir das duas piadas e não ter que participar de fato dessa rivalidade entre as duas cidades. Elas são sim extremamente diferentes e cada uma deve combinar mais ou menos com estilos de vida peculiares. Mas quer saber? Eu adoro as duas, e acho o máximo elas serem tão opostamente estilosas. Assim posso aproveitar o que cada uma tem de maravilhoso!

Uma coisa que estava doida pra fazer era pegar a Dutra num fim de semana e ir a Sampa. Fiz isso no ano passado, aproveitando o ensejo da Bienal. Escrevo agora porque, SINCERAMENTE, vocês que não foram ao MAIOR EVENTO DE ARTE DA AMÉRICA LATINA não perderam nada, na minha opinião. Aliás, fiquei me perguntando o tempo todo se a qualidade havia mesmo caído ou eu é que não achava mais graça nenhuma naquelas coisas mambembes de TNT, MDF, EVA e tudo quanto é material vagabundo que atende por sigla, com duplo sentido tão óbvio que não fazia cosquinha no cérebro.

Claaaaro que teve uns brilhinhos, tipo isso:


E isso (adooooro):




Mas apostaram tanto nessa Bienal, que seria super polêmica e tal, que minha expectativa ficou frustrada ao ponto de pagarmos estacionamento por duas horas e só usarmos uma para ver tudo. É. Lá a gente paga o estacionamento adiantado. Você tem que PREVER quanto tempo vai ficar, e se passar do prazo, é multado. Uma bela forma de colher um dinheirinho a mais de desavisados como eu, meu namorado e meu fiel escudeiro Alê, três manés que acreditaram piamente que ia ser in-crí-vel. Enfim.

Apesar dessa interessante experiência, coloco aqui minha mão no fogo que é legal passar o fds em São Paulo. Para quem não tá a fim de encarar a Dutra de carro (eu achei a viagem super tranquila, apesar de realmente ter muito caminhão a pista é dupla) e pagar toooooodos os pedágios, pode entrar num bus e ir de última hora mesmo. A viagem dura seis horas e hoje já tem até leito cama (vira uma caminha mesmo, 180 graus! Mas é meio cara a passagem. Ainda mais se comparada às promoções de avião. Apesar disso, se você está com tempo livre pode pegar numa sexta feira à tarde e ir curtindo a paisagem magnífica. A viagem é pela serra, e fiquei encantada com os quadros que se formavam na minha janela. E a rodoviária de lá é ligada ao metrô, uhuuu! , você não para em um lugar distante tendo que dar seu rim para pagar um táxi.

Bem, vamos lá. Para os marinheiros de primeira viagem, vou passar meu roteiro preferido em Sampa! Sempre que possível eu visito a Liberdade, que dá pra ir de metrô. É legal ir no fim de semana, você já sai numa feirinha oriental foda! 



Aliás, pra quem não sabe do que se trata, é uma mini cidade japa no meio de SP. As pessoas falam japonês, comem japonês, e basicamente são japonesas. Tem supermercados com coisa fantásticas que você não tem ideia do que é, sushi vendido em isopor com papel filme, massa sendo frita pela rua. E claro, o Ano Novo Japonês, que tenho uma puta dor de corno de ainda não conhecer.



Não deixe de provar o suco de uva verde que vem com as frutinhas dentro.



Continuando o roteiro, passar pela Paulista é fundamental. Aproveita e salta na estação Trianon-Masp e vá ao museu. Mas vá num dia preparado. De tênis. As pernas gemem de dor, principalmente se forem enraizadas de veias pocadas como as minhas... Porque elas não sabem que estão te segurando pra ver uns Van Gogh, uns Matisse, uns Modigliani, e você se esquece delas exatamente por isso.

Aí fecha a noite dando pinta na Augusta pra ver umas pessoinhas bacanas. É sempre legal. E leve casaco, mesmo no verão, a gente, da praia, não sabe o que é aquilo lá.

Depois, DEPOIS, tipo outro dia, vá ao Museu da Língua Portuguesa. 


É lindo e é na Estação da Luz, que é a Estação para Hogwarts brasileira. 


Não dê muita pinta ali em volta, ouvi dizer que não tá lá essas coisas de segurança.

Pertinho fica o Mercado Central, onde você vai ver frutas lindas e exóticas, petiscos malavilosos e proporcionalmente baratos, e chope do bom. Pode entrar em qualquer fila. Filas não mentem quando o assunto é comida.



Agora, o que eu quero compartilhar mesmo com vocês é a minha última descoberta: o Beco do Batman. Trata-se de um local com ruas tomadas por muros grafitados. Vou te dizer: Muuuuito melhor que a Bienal! Seguem algumas fotos para vocês. E viva Sampa!  


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segunda-feira, 9 de março de 2015

#universo30: Poesia Tarja Preta

                            retirado de anundis.com


Sempre vai
Sempre volta

Sempre cai
Nunca cura
Sempre horas
Nunca vida
Sempre tóxico
       da ressaca       
Simples sol
       Sê saudade      
Sempre sopro
Mas nunca nunca
Sempre scissors
Dos passajes
Se mon pair
Sacanagem
       Nunca vil      
Deja vus
Sabe nada
        Dá-me-las        

As flores que não vi já estão mortas

Em honra do que vivi.








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domingo, 8 de março de 2015

#rioaos30FDS: Paquetá

Sempre quis conhecer Paquetá, certeza que por causa da marca de sapato. Se algum lugar vira marca me dá uma coisa que eu tenho que ir lá. Tipo, fui pra Canoa Quebrada e nem é tão legal assim, mas eu tinha que ir por causa do raio daquele estojo. Mas vamos falar de Paquetá, que é mais pertinho.

Esta é uma ilha que fica a mais ou menos uma hora de barco do Rio. Num dia meio nhé, nublado e tal, é uma ótima opção. Não é uma ilha paradisíaca com águas cristalinas, não vá esperando por isso, daí que é melhor guardar aquele dia que você já encheu o saco de praia pra ir até lá. 

Sei que tava um dia nublado e meu querido amigo Alexandre topou fazer essa parada comigo. Acho que vale a pena. Rende boas fotos e um dia, no mínimo, diferente. Segue um "foto roteiro" pra vocês:

Pra ir pra Paquetá você deve chegar na Praça XV (estação Carioca do metrô, segue em direção ao Paço Imperial que você acha, já sabe, o Google Maps é nosso amigo). Lá tem uma divisão, do lado direito você vai pra Niterói, do esquerdo, bem menor e humilde, para a ilha. Sempre tem muitos velhinhos indo pra lá. 


Qualquer dúvida também, tem escrito em cima, em letras garrafais. Daí basta comprar um bilhete (R$ 10,00 ida e volta) e esperar sua barca sair. Sugiro entrar nesse site aqui: http://www.grupoccr.com.br/barcas/estacoes/paqueta?id=3
para saber o horário da próxima barca.



A barca é meio velha e lenta, mas você é turista e o passeio deve agradar. E é sempre legal passar por debaixo da ponte Rio x Niterói! 


Chegando perto já dá pra sentir o clima da vila bucólica.


E uma coisa fantástica sobre Paquetá é que lá não entra carro. Um verdadeiro bálsamo para ouvidos tão açoitados pelas buzinas dos motoristas cariocas...


A melhor coisa a fazer assim que chegar é alugar uma bicicleta. Dá pra rodar a vila toda e conhecer os pontos turísticos em uma hora, mais ou menos. As magrelas estão por toda a vila e são baratinhas. 



Se você não sabe andar nelas, também pode usar o serviço de um bike táxi, feitos especialmente para até duas pessoas preguiçosas ou que não tiveram infância andarem numa espécie de charrete. Sem preconceito, é lógico. 


Essa foi minha bike companheira nesse dia. Elas são tão fotogênicas! 



Paquetá é uma vila cheia de casarões antigos e casinhas fofinhas. As fachadas são lindas. 






Tem uns lugares muito bacanas para fazer fotos, tipo esse píer. 


Também rola de ir até lá e fazer uma selfie de cabelo lindo. 



Pode largar a bike por aí e ir explorar os mirantes e tal. Ninguém vai catar nada seu, outra coisa bizarra tão perto do Rio...



Dica: não encontramos bons restaurantes. Sugiro levar uns sanduíches e fazer o bom e velho piquenique! Bom passeio ;)

 

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segunda-feira, 2 de março de 2015

#universo30: Dois pés pretos e a epifania da escuridão

                                  Dois pés no sol. Helena, 2013

Aquela noite fui dormir com os meus pés, pretos. Ignorando a recomendação materna persistente por anos, Vá lavar os pés, Não durma com os pés pretos, Você vai pegar verme, tantas e tantas vezes ouvida que virou uma mania, uma agonia, mas naquela noite não, naquela noite meus pés pretos eram testemunhas da minha epifania.

Durante um vídeo entre luzes e meia luz, me reencontrei. Entendi tudo de novo, tudo o que eu já sabia, há tanto tempo, organicamente. Como que de forma tão estranha, artificial, o mundo foi me fazendo esquecer dessa verdade, sou um molusco, um bicho ermitão, e um monte de coisa se encalacrou em mim, mas aquele professor, frase por frase, ia retirando as anêmonas e  aos poucos eu ia vendo uma imagem perfeita da superfície da minha concha de novo.

                                                  retirado da web

“O artista é um sujeito que, por um movimento que não se sabe ao certo, ele dá as costas, digamos, à região iluminada da sociedade, à região iluminada do próprio ser e vai em direção à escuridão”, dizia o professor na tela, enquanto eu achava um sentido entre Artaud, Homero e Platão, que de repente me explicavam porque fui de preto na minha festa de quinze anos e zombava da decoração burgueso-disneyana que armaram como uma “surpresa” pra mim.

                                          Festa de 15 anos, 1997

E então entendi porque depois de 17 anos eu ainda compartilho determinadas frases no meu Facebook tão lotado de gente que não faz a menor ideia de quem eu seja, um prato cheio para fazer mau juízo, pra errar o nome de um autor, para me jogarem tomates no ponto de ônibus. E quem se importa? E quem nunca? Eu não estou me transformando numa pessoa melhor não. Mas talvez, só talvez, há quem me entenda, e ando preferindo ficar do lado desse tipinho por enquanto.

                                       retirado do Facebook

O homem continuava a falar, "o artista é um revoltado por natureza", enquanto eu me reduzia nos pixels da tela iluminada. Ele me falava em hebraico, língua antiga e já não mais falada, que eu entendia em algum ponto do meu cérebro, reconhecia de outra vida, mas que já precisava de tradução. 

Chorei. Nem os remédios da blaseéividade conseguiram disfarçar meu agora distraído bicho ermitão. "Você está bem?", perguntou alguém, "estou, sim, não, nem sim nem não, estou em crise", respondi. Por puro respeito segurei meus prantos, que vontade de chorar até engasgar, até que os soluços marcassem minha garganta e meus olhos ardessem daquele bom fogo. A crise nada mais é do que um reencontro que você andou adiando por tempo demais, e agora eu entendia. 


                                                                  Caixa d'arco. Helena, 2012

Aquela noite resolvi dormir com meus pés pretos. Não lavei meu suor, nem o pó do meu corpo, e guardei verdadeira sujeira nas minhas raizes, como disse, testemunhas do meu reconhecimento na escuridão. Tão rebelde quanto no dia em que comi espetinho de camarão na praia, pra que servem as mães, se não para ficarmos uma vida tentando fazer escondido o que elas imploram para não fazermos nunca, sinto muito minha mãe, mas você iria concordar comigo, não era possível abrir mão de nenhum grão, só no dia seguinte, quem sabe, mas naquela noite não, eu não podia correr o risco de me esquecer novamente.

Hoje acho que vou relembrar. Mas se eu esquecer, sempre posso assistir novamente. 



Entre Homero e Platão: Agnaldo Farias at TEDxUSP:




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