quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre a culpa

                            foto: Igor Borgo


Estou pronta para tirar as minhas primeiras férias desde que me mudei. Prontíssima! Contando os dias! Como todo bom assalariado que se presta. Não, melhor. Bem melhor.

Olhei para frente e vi as águas azuis de uma caverna da Chapada Diamantina. É para lá que, se Deus quiser e o Diabo não se opuser, descansarei meu corpinho riscado, gordolento e fatigado  dos últimos anos. Não lembro quando foram, oficialmente, minhas últimas férias. Sei que fui à praia algum dia de semana nesse meio tempo, o que, a olhos menos atentos, já valeria um mês de férias só pela ousadia, nesse mundo que tanto preza as oito horas e mais uma de almoço e mais três de deslocamento. Não estou reclamando. Só estou te dizendo que talvez essas sejam as férias mais maravilhosas que vou viver, com certeza a que está me criando mais expectativas, e só por um motivo: o que mata o freela não é o excesso de trabalho, e sim a abundância de culpa.

Para te falar a verdade ainda não me acostumei. Essa coisa de ficar em casa é muito estranha. A gente vai ficando obcecada com limpeza, com produtividade, com disciplina, e nunca consegue fazer tudo o que está na famigerada lista que faço todo santo dia. A gente sabe que tem que trabalhar – por si próprio, por suas ideias, senão ninguém mais no mundo o fará. A gente tem que aprender muito mais também, porque não tem que entregar um serviço do jeitinho que já foi pedido um milhão de vezes, mas fazer coisas novas o tempo todo. Trabalhar a criatividade, principalmente puxando a própria orelha três, quatro, cinco vezes ao dia que te dá vontade de deitar e ver uma TV. Ou dar uma faxina melhor na cozinha, meu bem, como você pode não perceber, em cima dessa geladeira está um CAOS!!! Não, não vai dar para sentar e escrever NADA agora, preciso pelo menos passar um paninho ali, vixe, tá grudento, preciso de bucha, e bombril, deixa de molho no mr músculo, juro que não vou ficar olhando a sujeira se desintegrar com o passar do tempo, jesus cristinho, são cinco horas da tarde e eu nem li o que me impus de meta para hoje, como o tempo passa rápido quando se está em casa, mas será? Será mesmo que eu produzia muito mais quando estava num ambiente de trabalho habitual, ou o fato, o fato verdadeiro, é que o que eu não tinha era essa porra de CULPA, essa CULPA GIGANTE que todo mundo que é freela ou faz mestrado tem, que se tudo der errado A CULPA É SUA, seu preguiçoso de uma figa, já sim, todos perceberam que não vai ser o suficiente, o tanto que você lê, e vê, e escreve não será nunca o suficiente, então porque eu morro de culpa? E olha que nem topei entrar na turminha de mestrandos Jesus, já te disse minha filha, porque se você não fizer o que botaste na tua cabeça que tens a fazer ninguém mais o fará e principalmente porque ninguém, além de você, vai se julgar com uma crítica tão cínica, meu Pai como você é cínica, com os outros dá pra ter uma ideia, mas contigo mesmo, minha filha, tu é muito pior, vai acabar ficando velha e cheia de rugas mesmo antes do tempo. Ah, a culpa então não é do vinho não? Tá vendo, tá aí, na sua boca, falando de novo que a culpa é sua, eu não disse nada. Gente, é mesmo, preciso de terapia, que porra é essa? Veio da minha infância é? Sei lá, mas acho bom você se curar antes de ter filhos, dizem que piora.

Porque é tão difícil dizer “estou tirando férias porque mereço”? Porque desde que inventei essa merda de história de recomeçar aos trinta só o que faço é viver um dia de cada vez com a leve impressão de que os anjinhos da guarda estão pregando peças em mim, fazendo um teste para ver se eu permaneço de pé, tornando as coisas um pouquinho, só mais um pouquinho difíceis do que para todo o resto do mundo, como procurar apartamento por quatro meses a fio, só para começar a história. Ah, além de culpada é egocêntrica, a vida é assim mesmo minha filha, para todo mundo é difícil, e você tá se fazendo de vítima para quê, se é tu mesmo que vai ter que resolver as paradas todas até desanuviar essa borreira na qual transformaste tua vida? Cala a boca, vai dormir, minha vida tá ótima, só falta eu sobreviver mais uma meia dúzia de dias e entro no estágio semi-consciente que a estrada vai me proporcionar, para bem longe, bem longe, bem longe daqui e da sujeira de cima da geladeira.


Não existe culpa nas águas azuis da caverna da Chapada, porque lá eu vou estar bem longe de mim.





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sábado, 7 de dezembro de 2013

Mercado de peixe – Sobre as gravações do Rio aos 30 #04



Sabe, eu e meu namorado não gostamos de Niterói. Primeiro vou contar essa historinha para vocês entenderem o preconceito com o qual já fui para a pauta, apesar de ter a cabeça aberta, amar frutos do mar e achar meu namorado às vezes muito exagerado. Vamos lá.

Mudamos para o Rio, meu namorado havia sido chamado para trabalhar no Centro, eu encontrei um apê legal na Tijuca, a vinte minutos de ônibus do serviço dele. Tudo perfeito, até que a empresa resolveu que ele deveria ser transferido para a nova filial que abria em Niterói. Porran... O que eram vinte minutos viraram três a quatro horas diárias de locomoção que envolvia quatro ônibus e duas barcas, ida e volta. Rapidinho ele ficou estressadão e começou a achar Niterói uma merda. Aí você, como todo mundo em volta de mim, pergunta: então porque você não muda pra Niterói, se o valor do aluguel é bem mais barato lá? Porque eu não saí de Vitória para morar em Vila Velha, oras.

Sem preconceito. Sei que a questão aqui é Canon-Nikon, seu cu vai te dizer qual você gosta mais. Conheço várias pessoas que moram em Vila Velha e sei porque eles não trocam a cidade por nada: belas praias, bons bares, tem tudo em volta e um jeitinho mais bacana de lidar com as pessoas, os vizinhos, uma coisa de cidade que não é capital. Mas eu sei também porque os “Vitorianos” vestem a camisa. Porque para a gente, sinto muito, os canelas-verde sofrerão sempre de um “quase”.  E tá explicado.


Foi com essa doçura na alma que entrei na barca para chegar à quase cidade de Niterói para descobrir o tal famoso mercado de peixe, realmente muito bem falado e conhecido no Rio. A chegada tem uma vista bacana das coisas que Niemeyer desenhou por lá. Mas logo a gente chega numa cidade que me pareceu árida, sem árvores, sem vontade de cantar uma bela canção. Estava um calor senegalês e isso ficou impresso na minha memória (não que o Rio tenha tantas árvores assim, aliás precisaria de uma floresta amazônica para diminuir alguns graus no clima do capeta que essa cidade tem, mas voltemos a falar mal de Niterói que é esse o papo, eu sempre devaneio meu Deus).

Niterói. De cara a gente encontra a também famosa estátua do índio Araribóia, diz a lenda que ele passa a eternidade olhando invejosamente para a outra margem e pensando porque diabos logo com ele rolou o azar de ficar do outro lado da poça. Bom, mas o índio é fodão e inclusive denomina o gentílico da cidade, sabia?, sabia? Pois é, quem nasce em Niterói não é niteroiense não, rapaz, é araribóia, que aliás, além da oportunidade de ter nascido carioca e tirar onda com o resto do Brasil deve também ter perdido o acento.

Fomos caminhando até o mercado de peixe que é mesmo igual a qualquer outro do mundo: cheio de azulejo e fedorento. Até que pouco fedorento, haja vista o calor e a matéria-prima do lugar, o que determina de cara o frescor dos peixes comercializados por lá.

O mercado tem diversas bancas com lindos linguados, corvinas, cavaquinhas, vermelhos, polvos, lulas, caranguejos de “Marataíze”, ostras vivas gigantes pulsando dentro das suas aconchegantes conchinhas e lá no fundão um altarzinho para São Pedro abençoar a galera do mar. Isso é no primeiro andar. No segundo tem um monte de restaurantes, alguns maiores, outros com cara de botecos improvisados, o que, pelo menos no Rio, pode ser um indício de comida simples e boa. Isso sem esquecer a escada que liga os dois andares, porcamente decorada com um aquário moribundo com peixes geneticamente modificados pelo lodo acumulado na caixa de vidro por anos, não, por eras, aqueles peixes conversaram com São Pedro pelo que consegui ver através da verde cortina de musgo.


Escolhemos um restaurante maiorzinho, que dava para a bela vista (not) de fora. Ele tinha uma parede de vidro que ajudava a iluminação para a gravação, só por isso sentamos ali. A experiência não foi das melhores, para falar a verdade. Eu não sabia que tinha que avisar ao cozinheiro que não adianta ter um belo peixe fresco se você emborca o bicho na mesma gordura paleolítica do pastel de linguiça de porco. Quanta tradição!


Aliás, tem uma coisa bem bacana no mercado: você pode comprar o seu peixe lá mesmo e, por uma taxa, eles preparam para você. Acaba saindo o mesmo preço, mas pelo menos você viu a cara dele antes. O que não significa muita coisa se, repetindo, você é um imbecil que escolhe o restaurante pela luz e não pelo chef. E eu também não acho que os donos de restaurantes realmente preferirão comprar o peixe fora do mercado, então você pode estar trocando sovaco por axila, mas quem sabe ele não reservou aquele que não vendeu na semana passada para você, não é? Hum.



Serviço:
As ostras custam R$ 3,00 a unidade.
O Mac Donald’s é no caminho de volta para a barca.

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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Sofá




Por esses dias eu decidi duas coisas muito importantes na minha vida: comprar o sofá dos meus sonhos e tomar café sem açúcar. É, ao que parece estou tão bem acostumada com meus trinta anos que já ajo como uma quarentona.

O sofá significa tanto, mas tanto pra mim, que é sobre isso que vou encher linguiça hoje. O sofá é a personificação da casa, o espírito de cada lar. Lembro que ainda quando vivia na casa dos meus pais eu dormia mais no sofá do que na minha cama, por vários motivos. Na minha adolescência eu era tão bagunceira que não conseguia me acomodar direito no meio de todas as roupas, colares, pulseiras, papeis, enfim, tudo que eu ia usando e largando em cima da cama. Quando queria muito dormir ali, fazia um rocambole usando a colcha para me livrar daquilo tudo, ia girando aquele bololô e depois tacava no chão. A dica é ótima, aliás, para quem é bagunceiro, pois no dia seguinte basta recolocar o rocambole e ir girando ao contrário, a cama fica exatamente como estava no dia anterior. Então, mas o texto é sobre sofá, e o sofá da casa dos meus pais era realmente ótimo. Me cabia direitinho dormindo de lado e eu ainda podia acompanhar todo o ritmo da casa, as pessoas conversando, vendo TV e eu ia adormecendo lentamente no meio daquilo tudo.

Ou então me salvava quando eu tinha chegado de madrugada. Eu dividia o quarto com minha irmã e ela tem o sono super leve, então muitas vezes eu preferia uma opção mais confortável do que ouvir suas reclamações, ainda mais quando eu já chegava meio alta e ia batendo em todos os cantos do quarto no meio da noite, crente que estava sendo super silenciosa. Por tudo isso, o sofá sempre foi minha primeira opção.

Bom, aí eu fui morar sozinha, e quando me mudei não tinha móveis. Comprei o basicão e achei que a vida ia se encarregar de prover o resto. Não demorou muito, foram apenas uma ou duas festas com móveis de papelão, mais umas tantas com móveis de plástico, numa delas ainda bem que não tinha móveis, um sujeito vomitou um quarto completamente pelado, digo isso do quarto, não sei como o sujeito estava, e bem, lógico que ele atentou de fazer isso na esquadria da janela de alumínio para dar algum trabalho à limpeza, senão não tinha graça. Limpar esquadrias é uma coisa realmente chata. Estou pensando em comprar um aspirador para fazer isso. E uma daquelas vassouras cuja piaçava é de espuma, para limpar as janelas da minha cozinha, função à qual já abdiquei há algum tempo e que agora dá sinais da sua importância, mas piaçava de espuma e aspirador é cinquenta anos já, acho que posso esperar mais, não completa nem um ano mais pra eu refazer o contrato do aluguel ou sair daqui, nem vale a pena limpar essas janelas agora. O que me incomoda mesmo são os duendes que estão vivendo com os fios atrás do hack. Ah, eles deviam ser aspirados, com certeza. Mas voltemos ao sofá.

Foi uma taróloga que veio me dar esporro, inclusive no meio de uma consulta. Ela falou que minha casa tava parecendo um camping (boa, a menina, nem nunca esteve lá) e que eu precisava começar a cuidar dela, transformá-la num lar. Foi aí que apareceu o primeiro sofá da minha vida. Ganhando uma mixaria, esse móvel ficava sempre na última prioridade, mas a vida é uma caixinha de surpresas, e meu sofá estava na minha frente, e um dia eu vi. A secretária do departamento onde eu trabalhava sabia que eu ia ganhar um extra, também uma mixaria inclusive, e me vendeu o sofá e o hack que ela acabara de comprar, mas que não poderia ficar com eles porque voltaria para a casa da mãe, que precisava do seu auxílio. Ou seja, um presente.

Chegamos, enfim, à contemporaneidade. Eu e meu namorado entramos algumas vezes na loja que se chama “Toque a Campainha”, hahahahahahhahahahah, que nome é esse Braseeeelll???, e nenhum atendente mais parecia querer atender aquele casal que adorava sentar em sofás grandes e bonitos e nunca levar nada. Mas esse cenário mudou! E na semana passada, levamos O Sofá! Um sofazão grande e gordo que se abre inteiro pra você, esparrama sua cabeça, te abraça e fala que vai te amar pra sempre. Um retrátil café gigantesco e sólido, que vai até o chão e não te deixará nunca mais cair na vida, e nem se sentir sozinho de tudo, ele estará lá, nos melhores e nos piores momentos, o Sofá da minha vida inteira. Agora preciso arranjar apartamentos para morar com cozinha boa, área de serviço e sala que caiba o Sofá.

O antigo, não vou me fazer de ingrata por todos esses anos, mas o fato é que ele parecia uma criança da propaganda Médicos sem Fronteiras do lado do Sofá. Coloquei em sites de venda por um preço absurdo de barato (não ia me sentir bem em ganhar mais do que a mixaria que paguei nele, há anos atrás) e teve gente choramingando pra ficar com o dito cujo. Contra minha ética acabei dando prioridade a um universitário que chorou mais (e arranjou logo um carro pra carregá-lo da minha casa). No elevador, brevemente, ele me contou a sua história: se formaria no dia seguinte e resolveu se presentear com um sofá porque não aguentava mais a casa com cara de universitário por anos a fio. Me senti uma velhaca ao compreender totalmente o que ele dizia, pensando que já havia passado também por isso.


“Putz, o sofá é lindo! Porque você quer se desfazer dele???” disse o garoto assim que botou os olhinhos quase marejados no sofazinho. “Porque eu prefiro o pai dele”, disse eu, exibindo meu Sofá forte e viril e retrátil como um jogador de basquete que estende as pernas na praia. Em vão. O garoto permanecia vidrado no sofazinho, feliz que estava com sua aquisição a preço de banana, ainda sem acreditar que a vida, ah, a vida, a vida é uma caixinha de surpresas que havia lhe dado um presente. Depois desisti de chamar a atenção com o meu grande móvel urso e fui em frente, “você tem interesse em ficar com essa mesinha de centro? Ficou apertada depois que o Sofá chegou aqui”, “Claro, claro, claro que sim”, ele continuava não acreditando, “Minha mesinha é um carretel, era o que eu precisava, quanto você quer por ela?”, “É um presente de formatura”, “Não, gente, quê isso? Vou mandar convites da festa para vocês”, e lá se foi o garoto com um amigo a tiracolo carregando os móveis da minha casa e largando pra trás umas notas de cinquenta. E eu estou aqui, a muito custo, tomando um café sem açúcar, e logo mais vou dar uma faxina na minha casa e talvez fazer minhas unhas, que programei com meu namorado de sairmos hoje, apesar que pode ser muito muito difícil eu sair de casa durante um mês ou dois.


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