foto: Igor Borgo
Estou pronta para tirar as minhas primeiras férias desde que me mudei. Prontíssima! Contando os dias! Como todo bom assalariado que se presta. Não, melhor. Bem melhor.
Olhei para
frente e vi as águas azuis de uma caverna da Chapada Diamantina. É para lá que,
se Deus quiser e o Diabo não se opuser, descansarei meu corpinho riscado,
gordolento e fatigado dos últimos anos.
Não lembro quando foram, oficialmente, minhas últimas férias. Sei que fui à
praia algum dia de semana nesse meio tempo, o que, a olhos menos atentos, já
valeria um mês de férias só pela ousadia, nesse mundo que tanto preza as oito
horas e mais uma de almoço e mais três de deslocamento. Não estou reclamando.
Só estou te dizendo que talvez essas sejam as férias mais maravilhosas que vou
viver, com certeza a que está me criando mais expectativas, e só por um motivo:
o que mata o freela não é o excesso de trabalho, e sim a abundância de culpa.
Para te
falar a verdade ainda não me acostumei. Essa coisa de ficar em casa é muito
estranha. A gente vai ficando obcecada com limpeza, com produtividade, com
disciplina, e nunca consegue fazer tudo o que está na famigerada lista que faço
todo santo dia. A gente sabe que tem que trabalhar – por si próprio, por suas
ideias, senão ninguém mais no mundo o fará. A gente tem que aprender muito mais
também, porque não tem que entregar um serviço do jeitinho que já foi pedido um
milhão de vezes, mas fazer coisas novas o tempo todo. Trabalhar a criatividade,
principalmente puxando a própria orelha três, quatro, cinco vezes ao dia que te
dá vontade de deitar e ver uma TV. Ou dar uma faxina melhor na cozinha, meu
bem, como você pode não perceber, em cima dessa geladeira está um CAOS!!! Não,
não vai dar para sentar e escrever NADA agora, preciso pelo menos passar um
paninho ali, vixe, tá grudento, preciso de bucha, e bombril, deixa de molho no
mr músculo, juro que não vou ficar olhando a sujeira se desintegrar com o
passar do tempo, jesus cristinho, são cinco horas da tarde e eu nem li o que me
impus de meta para hoje, como o tempo passa rápido quando se está em casa, mas
será? Será mesmo que eu produzia muito mais quando estava num ambiente de
trabalho habitual, ou o fato, o fato verdadeiro, é que o que eu não tinha era
essa porra de CULPA, essa CULPA GIGANTE que todo mundo que é freela ou faz
mestrado tem, que se tudo der errado A CULPA É SUA, seu preguiçoso de uma figa,
já sim, todos perceberam que não vai ser o suficiente, o tanto que você lê, e
vê, e escreve não será nunca o suficiente, então porque eu morro de culpa? E olha
que nem topei entrar na turminha de mestrandos Jesus, já te disse minha filha,
porque se você não fizer o que botaste na tua cabeça que tens a fazer ninguém
mais o fará e principalmente porque ninguém, além de você, vai se julgar com
uma crítica tão cínica, meu Pai como você é cínica, com os outros dá pra ter
uma ideia, mas contigo mesmo, minha filha, tu é muito pior, vai acabar ficando
velha e cheia de rugas mesmo antes do tempo. Ah, a culpa então não é do vinho
não? Tá vendo, tá aí, na sua boca, falando de novo que a culpa é sua, eu não
disse nada. Gente, é mesmo, preciso de terapia, que porra é essa? Veio da minha
infância é? Sei lá, mas acho bom você se curar antes de ter filhos, dizem que
piora.
Porque é
tão difícil dizer “estou tirando férias porque mereço”? Porque desde que
inventei essa merda de história de recomeçar aos trinta só o que faço é viver
um dia de cada vez com a leve impressão de que os anjinhos da guarda estão
pregando peças em mim, fazendo um teste para ver se eu permaneço de pé,
tornando as coisas um pouquinho, só mais um pouquinho difíceis do que para todo
o resto do mundo, como procurar apartamento por quatro meses a fio, só para
começar a história. Ah, além de culpada é egocêntrica, a vida é assim mesmo
minha filha, para todo mundo é difícil, e você tá se fazendo de vítima para
quê, se é tu mesmo que vai ter que resolver as paradas todas até desanuviar
essa borreira na qual transformaste tua vida? Cala a boca, vai dormir, minha
vida tá ótima, só falta eu sobreviver mais uma meia dúzia de dias e entro no
estágio semi-consciente que a estrada vai me proporcionar, para bem longe, bem
longe, bem longe daqui e da sujeira de cima da geladeira.
Não existe
culpa nas águas azuis da caverna da Chapada, porque lá eu vou estar bem longe
de mim.
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