sexta-feira, 7 de junho de 2013

Sobre os apartamentos (horríveis) do Rio



Vou falar um pouco sobre os apartamentos do Rio de Janeiro porque, como postei anteriormente, eles precisam de um texto à parte.

Eu pensava que o estilo norteamericano de se viver numa casa (separada por cômodos, TV na sala, cozinha com geladeira, fogão, área de serviço e banheiros) era um padrão na cultura ocidental, até eu começar a procurar apartamento aqui. Daí que eu percebi que o padrão quem impõe é a Lei da Oferta e da Procura, e se você procura em uma cidade pré-Copa, pré-Olímpiadas e blá blá blá, então a oferta é blá blá blá blá blá blá. Vocês já sabem.  Mas vou expor alguns detalhes.

Havia eu saído da minha agradável casinha azul com árvore no quintal para procurar um apartamento no Rio de Janeiro. Logo percebi que, do jeito que estava, sem renda, com a poupança de um carro vendido, pagando em euro no Rio o que eu tinha vendido em real no Espírito Santo, eu teria que trocar meu três quartos por um quartão. Isso quer dizer que entrei em muito conjugado pra ver a cara disso.

Conjugado é um termo que se usa para um espaço que aglutina tudo o que não coube no resto do apartamento. Quer dizer que você só tem uma cozinha com uma báscula, um banheiro com uma báscula e um quarto / tv / e tudo o mais que vc precisar nesse cômodo maior. Para ficar atraente, muitos chamavam de “conjugadão”, porque esse espaço era um pouco maior. Para roubar os outros, muitos separam os conjugados por uma fina parede para chamar de quarto e sala, o que não é plausível, olhem só o que descobri, para um cômodo valer como tal, tem que haver uma janela ou saída de ar dele. Não é legal? Se sua sala não tem janela, então perdão, não é uma sala.

Aliás, ler o classificados atrás de uma apartamento pagável para a classe média ou baixa é uma coisa realmente engraçada por aqui. É normal ler “cozinha cabe fogão” ou “cozinha cabe geladeira”, o que significa que no primeiro a geladeira não cabe e, no segundo, o fogão. “Indevassável” quer dizer que não tem ninguém te espionando a menos de 20 metros. “Próximo ao metrô” pode significar “espero que você goste de caminhar” e “novo” é igual a “feito na década de 70”.

Aqui no Rio também tem uma coisa engraçada:  eles chamam de kitchen uma cozinha que não existe. Fui a um apartamento e perguntei o que era uma cozinha kitchen ainda pelo telefone. “É uma cozinha pequena, para fazer só o básico”, disse o corretor, “mas eu adoro cozinhar, dá pra cozinhar?”, perguntei, “dá sim, com jeitinho dá”, disse ele. Chegando lá, a cozinha era um mini beco. Isso mesmo, gente, era um beco, e era mini. Só cabia uma pia e, em cima da pia, um armário. Lembrei logo o porquê de o anúncio trazer “cozinha kitchen com armários”! Huahauuhaauhua, e eram dois armários, porque havia duas portas.

Muito angustiada com mais uma decepção e ainda por cima com o corretor que me fez ir olhar uma cozinha kitchen que só dá pra cozinhar um mac donald’s, vi um nicho que adentrava a parede acima da pia, uns cinco centímetros para dentro, formando um quadradão como se tivesse sido carcormido, mas coberto de azulejo. Virei para o corretor e falei “cozinha kitchen com armários? Que bom né? Cabe até o microondas de plasma que eu tenho. É só colocar o prato na vertical e ver ele girando como um vinil!”, e saí, revoltada mais uma vez.

Muitos apartamentos são divididos, o que quer dizer que antes eram grandes, moravam famílias que agora alugam, então eles fazem minúsculas moradias repartidas de uma forma que não tem a menor lógica. Logo que cheguei, olhei vários assim em Copacabana (todo mundo fica iludido com Copa, porque é Zona Sul, e tal, mas fiquei traumatizada, como explicarei logo a seguir). Essa divisão grotesca impede, por exemplo, que os apartamentos tenham área de serviço. Aqui, é normal encontrar tanques no box do banheiro, máquinas de lavar ao lado do vaso sanitário e – pasmem – até varal em cima do chuveiro eu já encontrei (como a roupa seca, gente????).

Outra coisa muito comum são os jardins de inverno. Do tamanho de uma cozinha kitchen, eles são um adendo de qualquer apartamento, até os minúsculos, e servem para você colocar suas plantas. Plantas???? Quem vai pensar em separar um espaço para plantas num apto de 30m2, gente???? Tô falando grego aqui? Mas acho que só eu penso assim, aqui as plantas são obrigatórias em qualquer lugar, tanto é que em toda praça tem uma lojinha delas. Não me levem a mal, adoro plantas, mas não gastaria mais que 10cm com uma violeta num espaço de 30m2, é uma questão territorial.

Antes de conseguir o meu apartamento, morei em dois, ambos em Copacabana, durante um mês em cada. São os chamados apartamentos de temporada, para turistas que ficam mais tempo por aqui. Lembro que paguei pelo menos R$ 1.000,00 mais contas para cada mês, e os apês eram um pouquinho, digamos assim, traumatizantes.

O primeiro foi apelidado carinhosamente de Cogumelo, porque era pequeno, quente, úmido e malcheiroso. Eu limpava o bicho todo dia, mas as básculas da cozinha e do banheiro davam direto pro encanamento do prédio, sempre com vazamentos, então o apê fedia a esgoto o tempo inteiro. Era separado por uma fina parede de gesso, fazendo dele um pseudo-quarto-sala. Não pegava celular, mas era muitíssimo bem localizado, então não me traumatizou muito (a não ser pela cor da parede da sala, um verde-água horrível, muita gente escolhe essa cor pra pintar fachadas e eu sempre penso que essa tinta vive em promoção).

O segundo apartamento ficava na zona de prostituição de Copacabana. Era maior que o primeiro, por isso levou o nome de Palace. O Palace ficava na avenida mais agitada de Copa, e o apê era uma espécie de sala comercial transformada em moradia, com uma cozinha micro (bem maior que a kitchen) onde mil baratinhas moravam, um quarto separado da sala por aquelas divisórias de escritório. Ficava no primeiro andar, e fazia tanto barulho e entrava tanta poeira dos carros durante o dia que só dava para ver TV no volume máximo e sempre com as janelas fechadas.

Nesse só tinha um tanquinho para lavar as roupas, o que me fez traumatizar com tanquinhos, que não servem para absolutamente nada, se a gente tem que esfregar a roupa e torcer, ter uma máquina pra enxaguar é só pra rir da minha cara mesmo. Ficava no banheiro essa máquina. A pele das minhas mãos tinha feridinhas de esfregar roupa, nessa época. Lembro que eu estendia num varalzinho de pé, num canto que pegava o sol da tarde, porque com as janelas fechadas sempre dava cheiro de mofo, de roupa mal seca.

E eu sempre fazia o jantar em casa, para economizar e também para manter a dignidade, o que era mais um desafio, porque as panelas eram realmente horríveis e ainda havia o probleminha das baratas. Na hora de dormir, eu sentia a vibração dos caminhões que passavam pela avenida na minha cama, e por essas e outras que sou absolutamente traumatizada com Copacabana.

Foi ótimo – e necessário – passar por tudo isso. Tenho certeza que era a prova que eu precisava para entender o que seria tomar as rédeas da minha nova vida mais uma vez. Uma prova super difícil, mas que me deixou mega forte, me ensinou sobre os bairros do Rio, os nomes de centenas de ruas de Copacabana, Flamengo, Laranjeiras, Botafogo, Catete, Tijuca. Sei como é o clima de cada bairro e me sinto em casa. E, principalmente, me deu a certeza de que muitas vezes a gente está vencendo a batalha quando coloca a cabeça no travesseiro. É quando a gente chora, relembra, sorri, pede pelamordedeus, imagina o que quer, tem certeza do que não quer. Eu trabalhei muito mais para conseguir o que queria à noite, sonhando, mentalizando e tentando não ser muito egoísta. Eram corriqueiras rezas como essa: “podia ter dois banheiros, na minha casa azul só tinha um e isso era meio ruim. Mas não é tão necessário, se estou pedindo muito, pode ser só um. Mas tem que ter um quartinho para as visitas, que adoro receber. Mas só se for possível! E uma cozinha onde caiba todos os meus eletrodomésticos. Mas se não couber, eu dou um jeitinho também. E pelamordedeus, que eu tenha onde secar direito minhas roupas!!!!”...

Já muitíssimo calejada, acabei encontrando um apartamento na Tijuca, mas não acreditava que conseguiria o contrato, depois de quatro meses tentando e sempre alguém passando na minha frente. Corri atrás de tudo o que me pediam, como uma máquina respondia e-mails, e depois de muito esforço, choro, gritaria, jogo de cintura, consegui.  Eu o chamo de Casa Colorida, porque meu senso de decoração é estilo rústico-disléxico. Não é que ela não tenha defeitos – já veio inclusive com o chão da cozinha rachado. Mas tem uma grande sala, dois quartos, (apesar de um deles não ter janela, é o mais bem ventilado). Também tem dois banheiros, obviamente um deles fazia parte da dependência, mas eu o trato com todo carinho, como se fosse o social. Tenho uma varanda onde minhas plantas vivem e me lembram da benção que é recomeçar a cada estação. Na minha cozinha cabe minha geladeira, meu fogão, pia, secador de pratos, despensa, mesa. A área de serviço abriga minha querida máquina de lavar de quinze quilos, e em cima dela, dois varais.

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