sexta-feira, 24 de maio de 2013

Sobre a mudança



Outro dia um amigo meu disse que estava procurando apartamento em Vitória. Quer se mudar, e ele disse algo do tipo “vou ver mais apês semana que vem e depois eu escolho”. Que coisa linda, calma, tranquila. Tem a ver com o sonho de uma pessoa, essa coisa de mudar, encontrar um lar pra chamar de seu. Isso, em qualquer parte do mundo, menos na cidade pré-Copa, pré-Olimpíadas e pacificada. Nessa cidade, alugar um apartamento tem mais a ver com bússolas, pederneiras, maquiagem em azul e o momento certo de gritar FREEEEEEEEEDDOMMMMMMMM quando alguém te passa a perna.

Quando decidi me mudar pro Rio, a bem da verdade já estava meio decidido, meu amasiado havia me perguntado se eu queria mesmo mudar e arranjou um emprego aqui para eu não ter mais como adiar a decisão, então, resumindo, quando ele passou na entrevista, eu fiquei responsável pela mudança. Vendi meu carro, “passei “ a casa onde morava para uma amiga, empacotei minhas coisas com muita ajuda dos amigos e guardei tudo em um quartinho e na garagem da minha ex-casa. E vim pra cá, a princípio para ficar na casa de um amigo por algumas semanas, no máximo estourando um mês, até fechar o apartamento. Foram quase quatro meses.  (Calma, não foi tudo na casa do meu amigo não, continuamos amigos até hoje, inclusive).

Eu tinha um esquema de guerra: um caderninho só para isso, ia anotando os endereços que me interessavam, os telefones, e fazia uma agenda repleta de visitas o dia inteiro. Separava mais ou menos por bairros, para poder ver o máximo possível de apartamentos no mínimo tempo. No primeiro dia fui de sapatilha, com uma roupa arrumadinha, pra causar boa impressão. O rastro dos quilômetros que andei ficaram impregnados nos meus pés por muito tempo, e no dia seguinte saí de manhã de tênis de correr, roupas confortáveis, garrafa d’água na mochila. E se você está pensando que eu ia fantasiada de “pessoa procurando apê”, ia mesmo, e todo mundo também. (Depois de um tempo eu inclusive desenvolvi uma habilidade que é saber de longe quando o pobre coitado está nessa função, apenas pelas roupas, jornal rabiscado na mão e a cara que reúne um misto de desesperança e cansaço de quem está correndo uma maratona há um mês).

Normalmente os corretores abrem os apartamentos para visita durante uma meia hora, mais ou menos. Ou individual, ou em grupo. Quando é em grupo, é pior, definitivamente: se o apê é bom, já fica todo mundo olhando um para a cara do outro e mostrando os dentes. Certa vez, eu estava em uma situação dessas, num apê lindo, na Glória, e um senhor visitava comigo. Quando aquele respeitoso senhor percebeu que eu havia gostado do apartamento também, ele disse para o corretor “sabe, você não vai se arrepender se alugar para mim, lá em casa somos apenas eu e minha esposa, um casal de velhinhos tranquilos”. MAS QUE VELHO FDP!!! Que vontade de retrucar “pois lá em casa somos só eu e meu namorado, e temos energia ainda para cuidar do apartamento, limpar a casa direito, essas coisas...” VELHO FDP! FDP! FDP! Mas tá. O velho ser tão fdp e eu pensar e agir desse jeito, é por causa da dificuldade, pode acreditar.

Isso é quando a casa é boa, porque teve muita coisa ruim. Tanta coisa, que decidi agora que farei um texto bem humorado só sobre os apartamentos cariocas. Porque dá pra rir, gente, dá mesmo. Enquanto isso, vou destrinchando essa história aqui, e ela continua atualizando o contexto imobiliário do Rio de Janeiro: quando eu procurei pelo meu apê, muita gente que também estava nessa luta era do Rio mesmo. O aluguel subiu tanto depois desse lance pré-Copa que muitas famílias que moravam em bairros mais nobres como Flamengo e Laranjeiras estavam desesperadas tentando mudar para outros, um pouco mais baratos, como a Tijuca, por sinal, para onde me mudei. Tá pior que São Paulo, pode acreditar. E isso eu descobri conversando um pouquinho com algumas pessoas mais educadas, enquanto o corretor não chegava, porque não aconselho ficar de conversê nem fazer amizade não, que se o apê for legal, você vai ter que brigar com seu recém-amigo, que chato.

Então, assim foi. Cada dia de saída eu aprendia uma coisa diferente. Cada dia eu precisava de um documento diferente. A carteirinha de sócio-fundador do clube de futebol mais importante da sua cidade. A fita VHS com as imagens da sua primeira comunhão. Uma declaração com firma reconhecida de seu pai dizendo que nunca traiu sua mãe. Essas coisas. Por isso eu vou pular a parte triste de descobrir tudo sozinho e passar um servicinho básico para quem pretende se mudar para outro Estado algum dia.

MUDANÇA

Se você reservou um bom dinheiro para a mudança, existem grandes empresas que fazem tudo, do tipo você está assistindo tv e toca béééééé, é da mudança, eles pegam até sua calcinha da gaveta, embalam em caixas novinhas, deixam lá na gaveta do seu novo apartamento. A Granero, por exemplo, é assim, e é lindo, mas custa praticamente o dobro de uma mudança à moda antiga, e se o dinheiro não está sobrando, minha sugestão é que você consiga se planejar e fazer uma mudança compartilhada. Nesse tipo de mudança você divide o caminhão com a mudança de outra pessoa (há uma separação interna), mas normalmente pode levar até quinze dias para que a viagem seja feita. Eu optei por esse tipo, e tive uma sorte danada: o caminhão estava saindo no dia seguinte para o Rio.

Para essa mudança, você vai ter que dar conta de encaixotar as coisas o melhor possível. Então descole um esquema com um almoxarifado, ou com um supermercado, porque caixa boa é difícil de encontrar, viu? E caixa boa é a  MÉDIA, que dá pra você carregar sem ela rasgar toda, como as muito grandes costumam fazer.

Durante o período que fiquei procurando apartamento, minhas coisas ficaram na minha antiga casa. Para quem não tem essa opção, existem os depósitos, mas uma amiga já me falou que gostou desse serviço, outros disseram que destrói, enferruja tudo. Quando pesquisei, lembro que achei caro. Eles contam por metro cúbico, é um inferno.

ALUGUEL

Aqui no Rio eles exigem que você só gaste 30% da sua renda com o aluguel, o que significa que você tem que comprovar a sua renda, e que ela seja bem boa para conseguir alugar um apê melhor. (Eu, que pedi minhas contas exatamente para fazer a mudança, tive que entrar com o nome de querido papai para conseguir alguma coisa.)

As imobiliárias do Rio preferem que você pague o seguro-fiança a apresentar um fiador. Isso porque se der algum problema, eles têm dinheiro na mão para sanar. Mas vá preparando o bolso: é caríssimo. Paguei mais de R$ 2.000,00 por 30 meses, que é o tempo normal do contrato por aqui.

Garagem, no Rio, é como se fosse outro aluguel. Na Zona Norte você até consegue contratos nos quais o prédio já oferece, mas em outros bairros, como Santa Teresa, por exemplo, onde é difícil estacionar e a maioria é de casas, você vai penar para encontrar uma garagem – e também vai pagar caro por ela.

Esteja com toda a sua documentação quando for procurar o apartamento. TODA! Xerox dos documentos pessoais básicos e comprovante de renda de quem vai morar é o mínimo. Você vai precisar disso quando encontrar um apê bom, porque quando esse ano bissexto acontecer, você vai querer ir direto para a imobiliária dar entrada na papelada.

Por fim, o mais importante é isso: não dá tempo de pensar. Olhe com carinho, se gostou, corra atrás na hora, porque outros farão isso, e a imobiliária dá preferência à quem chegou primeiro.  Agora é só investir na sua maquiagem azul e boa sorte!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Sobre a agonia



Nesse ano que passou, algumas perguntas permearam mais ou menos 90% das minhas conversas sobre a mudança; foram elas, com alguma licença poética: 1) Por quê? 2) Como foi a mudança? 3) Já está trabalhando?  4) Qual foi a maior dificuldade que você já passou no Rio? Decidi que vou responder como um site de banco, a primeira grande resposta aqui, talvez aqui, outras em outros posts, tem coisa que dá mais trabalho, mas para quem está só numa curiosidade superficial, eu respondo no lead: 1) leia o texto abaixo; 2) um inferno; 3) sempre estou trabalhando, mas talvez de um jeito diferente;  4) ser impossibilitada de fazer o que quero por fatores que, apesar de externos, continuam a me causar culpa.

1) Por quê?

Tinha alguma coisa errada. Eu morava numa casinha azul, num bairro bucólico, tinha uma árvore no meu quintal. Já tinha um tempo que queria namorar, ficar tranquila, e um cara legal apareceu para mim. Sou amasiada, por assim dizer, porque adoro esse termo, é quase uma sentença de morte, né, palavra horrível. Bom, dava para ouvir os macacos da floresta que ladeava o vale onde eu morava, e a temperatura era ligeiramente mais baixa do que no resto do mundo também por causa da floresta. Na garagem, um carro popular vermelho bonitinho, no banco, não muita grana. Eu não ganhava muito, e trabalhava horrores, mas para que se formam os jornalistas? Gostava demais do que estava fazendo e estava bom por aí. Até porque a casa azul era o centro das reuniões dos amigos, e não precisava muito mais do que umas caixas de cerveja para fazer uma festa.

Eu era reconhecida no meu trabalho – não na minha empresa, como já disse, o salário não era lá essas coisas – mas o público parecia gostar do que eu fazia. Há seis anos eu trabalhava com TV, num programa de entretenimento e eu me esmerava para fazer uma matéria totalmente diferente da outra, degustava os temas,  e apreciava o fato de não ter rotina nenhuma (já acordei às três e meia da manhã, passei um reboco na cara que não adiantou nada e saí para gravar). A vida estava indo bem, e eu via o entardecer por entre as folhas do meu quintal.

Quando tudo está assim tão bonitinho, me dá agonia. Que nem aquelas pessoas que estão sempre sorrindo, fico na esperança de estar por perto quando tudo desmoronar. Não é exatamente vontade de ver a derrota alheia, é saber que a vida é feita de ciclos, e quando as coisas vão muito bem, se prepara. Mas mais do que isso, eu sentia na época que já tinha descoberto tudo por ali, naquele meu pequeno mundo. Minha órbita já era grande demais para os que estavam à minha volta, e os meus professores já não tinham mais nada para me ensinar. Havia um vazio de desafios e eu ansiava por novos mestres.

Foi por isso que decidi “jogar tudo pro alto” (odeio essa expressão, mas ela foi tão repetida ao longo desse ano que acabei me acostumando) e mudar, dessa vez fisicamente. Pedi as contas na empresa onde trabalhava. Meu namorado arranjou um emprego no Rio. Vendi meu carro e fiquei por conta de agilizar a mudança. Num Rio pré-copa. Mal sabia o que ia me esperar...

Acho que essa agonia vem também com os trinta anos, para saber mais sobre a crise leia o primeiro post. Mas mudar fisicamente, posso garantir, faz algumas dinâmicas da vida se modificarem também. Como o tempo, por exemplo, que era uma coisa que eu nem imaginava, o tempo, senhores, não é o mesmo em todas as cidades. A idade também não. Nem o clima, digo, tem a temperatura, mas isso não define a forma como a gente se sente no inverno ou no verão.  O que eu sei é que uma jornada nova, por mais difílcil que seja, é nova, e isso faz valer a pena quando a gente está sofrendo dessa doença, a agonia. E uma das coisas mais bonitas que já ouvi na minha vida, que me afaga em diversos momentos diferentes, foi uma frase da minha irmã, que numa outra situação, numa outra vida, ela disse, minha irmã, se fosse fácil você nem começava.

domingo, 12 de maio de 2013

Sobre a velhice


 
Pronto. Acabou o período de “ressaca espiritual”, como diria meu pai, cético que é, tentando se referir ao “inferno astral”. Entrelacei o último par de nós de dedos no abraço a esse mundo de 31 anos, com tantas celebrações que a ressaca ultrapassou os níveis da espiritualidade. Já posso dizer como me sinto aos 31, um número tão primo que tem que ter algo de especial.

Foram algumas festas: uma, preparada, cafona, no salão de festas, com mais cerveja do que o necessário, a ponto de sobrar. Outra, no dia em si, depois da meia noite do dia anterior, voltando de um bar e com o mesmo bolo da festa cafona, reciclado pelos amigos que estavam aqui em casa. A terceira, depois de um dia de trabalho, na produtora, com mais uma família que está me abraçando nessa vida.

Quando a gente tem muita festa de aniversário, experiência própria, é como se estivéssemos pulando de uma esfera pra outra de nossas vidas. É porque a vida está recomeçando, com muita novidade, rachada em grupos diferentes, e aí não se mistura água e óleo. Quer dizer, mistura sim, mas a seu tempo, que amigo de amigo sempre tem algo em comum, mas o fato é que ainda com tanta festa ficou tanta gente de fora que a lista da saudade era talvez tão grande quanto a das pessoas fantásticas que foram me prestigiar. Esse texto é nostálgico porque não sei se quero dizer tudo de bom ou o que faltou, e os dois têm um toque de tristeza, o primeiro de um samba bom, o segundo de um bolero cubano, então acho que partirei pro cotidiano, que nada mais justo que os dias para fazer a pintura do que se é.

Aos 31 estou lendo três livros intermináveis, porque tenho que lavar roupa trabalhar em alguns projetos escrever cuidar das plantas e ver TV. Meus companheiros atuais são a vida de Jung, a de Saramago e uma versão em inglês do clássico de Jane Austen, Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito). Éééé, ééééé, tudo cafonérrimo, tudo 31. Só agora tenho me interessado pela vida alheia a ponto de querer ler biografias, pra mim valia antes o que o sujeito tinha feito, agora quero saber também o contexto que os levaram às tais obras, como se segredos fossem passados nesses compêndios, contar como mentes tão brilhantes surgiram, será que ainda dá tempo de ser brilhante?, tenho o quê? Que ter passado a infância no interior? Nasci em Cachoeiro, tá bom não? Se não for o bastante, também, já era.

Minha velhice precoce vem sendo alimentada desde muito criança, quer ver, sempre ganhei presente de velho: sabonete, pijama e livro. Esse ano não foi diferente, e ganhei duas preciosidades: um livro que parece um método norteamericano de como escrever best sellers, em inglês, que vai me dar super preguiça de ler (sorry Doug, but it’s true), mas que vai me deixar rica, ÊÊÊÊÊÊÊÊ, e outro sobre a vida do Anthony Bourdain, que eu amo de paixão (para quem não conhece, um ex-viciado em heroína que hoje tem dois programas de TV passando no Brasil, sobre culinária e turismo, um boçal ácido inteligentíssimo). Não vejo a hora de acabar os outros três pra começar esses dois.

Pra fechar a cafonice, fui celebrar o dia do meu aniversário em um show do Buena Vista Social Club (um bando de velhinhos cubanos que fazem a gente chorar só de olhar pra cara linda deles), e logo que entrei fui ao banheiro pra não perder nem um pedacinho. Uma senhora de uns 60 anos (veja bem, não era uma super senhora fantástica de 60 anos, estava bem arrasadinha) cedia sua vez no banheiro para uma outra, dizendo “SENHORA,  pode passar na frente”, Meu Jeus Amado, não vou vou fazer xixi hoje se eu tiver que ceder o meu espaço pras mulheres mais velhas que eu no recinto.

Mas consegui, e apesar do bullying que elas me enviavam a cada olhar perscrutador do tipo “que diabos você está fazendo aqui?” eu me saí muito bem, como a velha que sou aqui dentro há muito tempo e o tempo está se encarregando de mostrar ao resto.  Me emocionei, chorei com o som que não existe de Chan Chan, sofri de inveja com as mulheres tão belas que cantavam, uma jovem e linda, outra velha, mas de uma energia tão grande, nenhuma mostrava a bunda lá em cima para chamar a atenção do público. Mas, em algum momento, senti que estava faltando alguma coisa. Logo percebi que o que eu sentia falta era da luz fluorescente de milhares de celulares a fazerem fotos para o facebook instagram mobli twitter gravação caseira pro youtube com título “buena vista toca no meu aniversário”. Contive várias vezes meu impulso de não pegar o meu celular pra registrar tudo aquilo, falhei algumas vezes, mas noutras me permiti registrar só na minha vista natural, sem o intermédio do led. Foi bom.

Ainda não sei se aos 31 agirei mais como “pouco mais de vinte” ou “quase quarenta”, mas percebi que não faz mal espalhar um pouco de cafonice por aí. E meu desejo pra uma das 93 velinhas foi que o mundo tenha um pouco menos de juventice e um pouco mais de velhitude.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Sobre o medo



Muita gente me pergunta como foi o processo da minha mudança, e só agora tenho condições de escrever sobre isso, paciência que capim tem que ser ruminado antes de virar palavra. O fato é que essas pessoas tomam sempre como corajosa a minha atitude de largar o emprego, vender o carro e mudar de cidade. Vou começar esse blog destruindo essa versão muito bonita da história, que no meu caso, senhores, não foi coragem não, no meu caso foi por medo.
Essa sensação é um pavorzinho que foi crescendo de fazer quarenta anos e perceber que já não ia dar mais pra tentar vender uma imagem jovem pro mercado de trabalho televisivo. Um medo concreto de virar mais uma pessoa frustrada em uma cidade boa demais para ser tão pequena. De pensar que os anos iam passar num puf e eu estaria com umas crianças em casa sem saber direito daonde surgiram, com o mesmo emprego, no mesmo lugar, e de repente pensar, jesus cristinho, eu nem tentei. Acho inclusive que no belo dia em que eu resolver engravidar, vai ser por puro medo de fazer mais de 35 anos e não dar mais tempo, aliás, tenho certeza que vai ser assim, porque duvido muitíssimo que em quatro anos aconteça um epifania louca que deixe minha vida de novo regular o bastante para eu me sentir capaz de virar mãe.
Foi com esse tantão de medo na bagagem que eu comecei essa história, há um ano, mais ou menos. A crise dos trinta bateu e foi com força, e aqui estou eu, no Rio, escrevendo agora porque só agora consigo respirar, sentir a nova cidade como minha também, o apê alugado como meu lar, e o trabalho se delineando como uma benção de tudo o que eu queria e nem tinha ideia há um ano.
O frio na barriga persiste, mas bem mais controlado. Daqui a alguns dias eu faço 31 anos, e a poeira dessa nova adolescência começa a baixar, agora com mais alegria que embrulho. Sou uma thirtynager, e aposto que muita gente vai entender do que eu falo aqui: os trinta, gente, é mais um começo de vida. A gente muda os gostos, começa a ficar cafona, mais compreensivo para algumas coisas, completamente intolerante para outras. Começa a gostar de culinária, crítica de arte e planta plantada. Dá valor à preguiça e começa a se esquivar de coisas que já sabemos que serão uma porcaria de fazer. Acha alguns trabalhos fáceis demais, e alguns desafios muito grandes para quem já viveu três décadas. Ou então aos trinta a pessoa para de beber, de fumar, se converte. O fato é que, me parece, essa idade bate de um jeito diferente para a maioria.
Para quem ainda não chegou lá, algumas palavras sobre porque considero os trinta anos uma segunda adolescência:
Ter trinta anos é aprender a lidar com um corpo que a gente ainda não conhece, que está passando por mudanças, que não responde prontamente à academia, mas com certeza, no dia seguinte, ao álcool. A gente aprende a usar short embaixo do vestido, e se veste melhor pra ir trabalhar que pra se divertir. Prefere muitas vezes vinho a cerveja, fogão a self service, francês a hollywood, cama a balada, livro a cama. Faz dieta e cuida da pele. Entende que todo Burger King tem consequência. Aprende, de uma vez por todas, qual é o melhor corte de cabelo pro seu rosto.  
Com trinta anos a gente aprende que existem coisas muitas vezes mais valorizadas no mercado de trabalho que competência, como pontualidade, mediocridade e self promotion. Entende que ser o melhor na sua função não te garante salário, e que as contas ainda ficarão no vermelho por mais tempo nessa vida do que sua vã cabeça de universitário imaginaria. Dá valor a um bom sofá, porque foi difícil comprar e porque é quem sempre te abraça.
Aos trinta a gente fica paranoica de pensar se quer ter filhos ou não, porque tem mais cinco anos e só pra decidir isso, e o que são cinco anos, pra uma cabeça que já guarda caixinhas de memórias sanfonadas, como a faculdade, que durou o dia da apresentação aos colegas de turma e o seguinte, o da formatura. Entende que ter um filho significa conhecer dezoito países a menos, e talvez valha a pena. A gente descobre que pai e mãe não são pra sempre, e às vezes chora copiosamente por causa disso.
Com as ruguinhas que começam a surgir e a barriga que você desiste de derreter também vem uma certa calmaria, graças a meu bom deus pai. Com trinta anos a gente ganha o direito de oficializar o seu chocolate preferido, de usar batom vermelho pra ir à padaria, de voltar a patinar e cair no chão de novo. Aprende a ser firme nas decisões, porque só isso é que conta. Aprende que ser sonhador não é problemático, e sim não tentar trazer o sonho para o plano real por puro medo de fracassar. Entende que as melhores coisas da vida exigem esforço, e esforço é uma coisa que a gente não sabe o que é direito, até os trinta. A gente descobre que cachoeiras tem poderes mágicos e que 90% das doenças que pegamos é só o corpo pedindo um abraço. Que pessoas que viveram determinados pedaços da sua vida jamais sumirão porque em determinado ponto viraram um pedaço de você.
Daqui a uma semana faço 31 e estou vivendo o pior inferno astral de todos os tempos. Isso inclui entender que sair dos trinta é ir em direção aos quarenta. Fechar o ciclo dos vinte, reencontrar pessoas que ainda são pedaços muito grandes pra não existirem todos os dias. Perdoar algumas. Deixar outras irem. Pedir perdão. Meus infernos astrais costumam ser pesados, mas esse em especial me fez passar muito mal, desmaiar duas vezes seguidas, e pensar que preciso fazer check up, porque aos trinta a gente tem que ir ao médico de coração e ao endocrinologista. Mas toda a parte chata vem com uma sensação de pertencimento que antes não existia, porque é seu pertencimento com você.
Ainda não sei direito o que isso significa, mas sei que a jornada tem que ser maior do que ver uma tv enfadonha que passa sempre os mesmos padrões de vida a que estamos acostumados. Alguma coisa tem que ficar pra trás, e, que sorte, quando a gente tem trinta anos, tem toda a energia do mundo pra realizar, e sabe como fazer isso, e se não sabe, pode tentar um milhão de vezes e de repente dá certo. Ou dá errado, mas também, tudo bem.
Não era a minha intenção fazer um post de autoajuda, mas com trinta anos costuma ficar bem difícil escrever alguma coisa que não soe como frase de facebook. Então, vai uma dica: se algum dia você estiver se cagando de medo de fazer uma grande mudança na sua vida, tome uma dose cavalar de vinho e reflita sobre a mariola que você vai “deixar pra trás”. Depois da terceira taça, a gente entende que não dá pra deixar nada pra trás, que carrega as experiências moldadas em um papel muito mais bonito do que foi enquanto acontecia, e tem que ser assim senão a gente ia virar chato depressivo ao invés de autoajuda. E depois da quinta taça, a gente percebe que medo é uma coisa que dá, até de passar batom vermelho pra ir à padaria, mas paciência, que pão quente é insubstituível, e encontrar o porquê do batom, só daqui a um ano.