-Você vai fazer o quê? Publicidade ou jornalismo?
-Jornalismo. Mas quero ser repórter de TV.
-Que legal! Por quê?-Porque eu odeio ler.
Eu JURO para vocês que esse diálogo é verídico, e aconteceu
comigo e mais uma menina na sala antes de começarem as provas pro vestibular da
Ufes (a menina é que queria ser a repórter, veja bem), e não me perguntem o ano que “nem as máquinas do tempo voltam tão longe”
(LOVATO, Demi, 2013). Esse diálogo é a personificação do conceito que as
pessoas têm sobre a TV: a glamourização de um trabalho que na verdade é xexelento,
minucioso, afogado em rolos de fita crepe, papel velho amassado no bolso, pó
vazando na bolsa e bolsa com fundo preto de ficar no chão.
A expressão que dá título a esse post foi bem utilizada por
uma amiga produtora, muito competente por sinal, que inclusive fez uma minissérie
irônica e divertida de fotos no instagram denominada “o glamour da produção”.
Nas fotos, ela aparecia sem medo sempre ridícula, com uma touca na cabeça,
carregando um tripé pesado, suada, cansada... Porque é assim, é chato e
cansativo, e só imbecis continuam fazendo isso porque gostam. Por isso, hoje resolvi escrever sobre a
equipe de TV, para quem ainda tem essa forte ideia na cabeça de que as pessoas
são lindas e fantásticas, ah, como eu gosto de destruir as concepções alheias
positivas. Mas vamos lá, uma equipe de TV é formada por:
O produtor
O produtor é um medroso doido pra aparecer na câmera, mas que não
tem colhão de dar a cara à tapa. Achou realmente que é glamouroso ficar no
telefone o tempo todo e que a TV era um mundo onde as pessoas em volta fariam o
que ele mandasse.
Defesa: Como já estive nessa posição, e de vez em quando
ainda produzo algumas coisas, vou defender a espécie: é triste quando a gente
enfim descobre que o tal “poder” não passa de trabalho escravo e que o resto do
mundo tá cagando pro que você faz, e muito mais, que nem entende como funciona,
então você tem que explicar tudo timtim por timtim, e como é chaaaaaaato para
caralho fazer essa porra, e a base da cadeia alimentar salarial, só mesmo os
fortes permanecem produtores depois de fazerem 30 anos. (E sim, há os
produtores que não querem ir para frente da câmera. Esses são os melhores).
O câmera
O câmera tradicionalmente é um mala reclamão. Passa o tempo
todo torcendo para chover e a pauta cair. Sempre começa uma pauta com ares
de diretor de fotografia da Discovery ou reclama que não dá pra fazer imagem alguma
ali. Ele necessariamente vai reclamar também do trabalho do produtor.
O editor
O editor, então, é um
chato de galocha. Ele necessariamente vai reclamar do trabalho do
câmera. Você vai ouvir três vezes na vida eles dizendo que chegou com a
quantidade certa de imagens, o cérebro deles não permite que eles pronunciem
essas palavras com facilidade, então é muito, muito difícil isso acontecer. Ou
tem demais e vai dar muito trabalho editar, ou tem de menos, impossível
trabalhar desse jeito. E, independente
do resultado, fazem questão de dizer que
sentiram falta DAQUELA imagem, uma coisa absolutamente impossível de ser feita,
mas que ele jamais saberá disso porque não levanta a bunda da ilha de edição
pra nada e não conhece o mundo real.
O apresentador
Um ego pretensioso, com um custo-benefício nas alturas, porque
um macaco consegue falar esse texto e esse mané não, e ainda assim costuma
receber mais do que os outros.
Defesa: como eu estou atualmente nessa posição, a defesa vai
ser grande e começa com a pergunta: você já tentou fazer isso, seu fd putinha?
Então para de achar que é fácil. Segundo, você não tem ideia de como é difícil
se ver na TV. O seu ar pretensioso não passa de uma casca dura que você teve
que cultivar ao ver que a sua boca é torta, sua sobrancelha é falhada, seu olho
esquerdo parece que sofreu um derrame, e ainda por cima de vez em quando desce
uma pomba-gira que te faz ficar com uns trejeitos escrotos que você não sabe de
onde saiu, ainda mais quando fala o texto com tons de voz que surgem do nada.
(Certa vez eu fui falar que uma cahoeira tem 40 metros e do nada saiu a palavra quareeeennnnnta que é piada interna até hoje, e todos os meus amigos filhos da
puta ficam buscando no mundo oportunidades de falar esse número só para me
sacanear.)
Finalizando, você vira um buda da apresentação quando para
de lutar contra isso, porque já entendeu que é um tolo disléxico incapaz de
fazer melhor. Com o ego esfacelado, você desiste e na primeira tomada fala “pra
mim valeu”, que pelo menos assim o câmera não vai te odiar para sempre por ter
que repetir essa porra mil vezes, ele já sabe bem antes de você que não vai
ficar melhor.
O diretor executivo
O diretor executivo é um pseudo-zen que lida com pessoas e
números. Você acha que essa fórmula dá errado? Dá mesmo! Por isso normalmente eles
fazem ioga, ou são vegetarianos, essas merdas que passam a impressão de serem
mega calmos. Deve ser para não ter que fazer terapia, ninguém em sã consciência
consegue lidar bem com pessoas e números. Ou ele paga de zen pra te mostrar
como você é um “desespiritualizado”, e se utiliza disso para negociar seu
cachê, quê isso gente, dinheiro é só um detalhe na vida das pessoas, seu
consumista de uma figa.
O diretor
O diretor é o cara que delega tanto, mas tanto, que depois tem
que viver tentando provar sua real necessidade para o resto do grupo. Ele é
importante quando dá uma merda maior entre os membros da equipe, aí seu ego
infla num efeito baiacu fantástico e todo mundo em volta fica com cara de
sardinha enlatada.
O cara do som
Hein? Quem é esse cara?
Pronto. Se você tiver um espécime de cada, já pode começar a
fazer TV. É fácil, lindo e glamouroso. Boa sorte.
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