domingo, 29 de setembro de 2013

O glamour da produção


-Você vai fazer o quê? Publicidade ou jornalismo?
-Jornalismo. Mas quero ser repórter de TV.
-Que legal! Por quê?

-Porque eu odeio ler.

Eu JURO para vocês que esse diálogo é verídico, e aconteceu comigo e mais uma menina na sala antes de começarem as provas pro vestibular da Ufes (a menina é que queria ser a repórter, veja bem), e não me perguntem o ano que “nem as máquinas do tempo voltam tão longe” (LOVATO, Demi, 2013). Esse diálogo é a personificação do conceito que as pessoas têm sobre a TV: a glamourização de um trabalho que na verdade é xexelento, minucioso, afogado em rolos de fita crepe, papel velho amassado no bolso, pó vazando na bolsa e bolsa com fundo preto de ficar no chão.

A expressão que dá título a esse post foi bem utilizada por uma amiga produtora, muito competente por sinal, que inclusive fez uma minissérie irônica e divertida de fotos no instagram denominada “o glamour da produção”. Nas fotos, ela aparecia sem medo sempre ridícula, com uma touca na cabeça, carregando um tripé pesado, suada, cansada... Porque é assim, é chato e cansativo, e só imbecis continuam fazendo isso porque gostam.  Por isso, hoje resolvi escrever sobre a equipe de TV, para quem ainda tem essa forte ideia na cabeça de que as pessoas são lindas e fantásticas, ah, como eu gosto de destruir as concepções alheias positivas. Mas vamos lá, uma equipe de TV é formada por:

O produtor

O produtor é um medroso doido pra aparecer na câmera, mas que não tem colhão de dar a cara à tapa. Achou realmente que é glamouroso ficar no telefone o tempo todo e que a TV era um mundo onde as pessoas em volta fariam o que ele mandasse.

Defesa: Como já estive nessa posição, e de vez em quando ainda produzo algumas coisas, vou defender a espécie: é triste quando a gente enfim descobre que o tal “poder” não passa de trabalho escravo e que o resto do mundo tá cagando pro que você faz, e muito mais, que nem entende como funciona, então você tem que explicar tudo timtim por timtim, e como é chaaaaaaato para caralho fazer essa porra, e a base da cadeia alimentar salarial, só mesmo os fortes permanecem produtores depois de fazerem 30 anos. (E sim, há os produtores que não querem ir para frente da câmera. Esses são os melhores).

O câmera

O câmera tradicionalmente é um mala reclamão. Passa o tempo todo torcendo para chover e a pauta cair. Sempre começa uma pauta com ares de diretor de fotografia da Discovery ou reclama que não dá pra fazer imagem alguma ali. Ele necessariamente vai reclamar também do trabalho do produtor.

O editor

O editor, então, é um  chato de galocha. Ele necessariamente vai reclamar do trabalho do câmera. Você vai ouvir três vezes na vida eles dizendo que chegou com a quantidade certa de imagens, o cérebro deles não permite que eles pronunciem essas palavras com facilidade, então é muito, muito difícil isso acontecer. Ou tem demais e vai dar muito trabalho editar, ou tem de menos, impossível trabalhar desse jeito.  E, independente do resultado,  fazem questão de dizer que sentiram falta DAQUELA imagem, uma coisa absolutamente impossível de ser feita, mas que ele jamais saberá disso porque não levanta a bunda da ilha de edição pra nada e não conhece o mundo real.

O apresentador

Um ego pretensioso, com um custo-benefício nas alturas, porque um macaco consegue falar esse texto e esse mané não, e ainda assim costuma receber mais do que os outros.

Defesa: como eu estou atualmente nessa posição, a defesa vai ser grande e começa com a pergunta: você já tentou fazer isso, seu fd putinha? Então para de achar que é fácil. Segundo, você não tem ideia de como é difícil se ver na TV. O seu ar pretensioso não passa de uma casca dura que você teve que cultivar ao ver que a sua boca é torta, sua sobrancelha é falhada, seu olho esquerdo parece que sofreu um derrame, e ainda por cima de vez em quando desce uma pomba-gira que te faz ficar com uns trejeitos escrotos que você não sabe de onde saiu, ainda mais quando fala o texto com tons de voz que surgem do nada. (Certa vez eu fui falar que uma cahoeira tem 40 metros e do nada saiu a palavra quareeeennnnnta que é piada interna até hoje, e todos os meus amigos filhos da puta ficam buscando no mundo oportunidades de falar esse número só para me sacanear.)

Finalizando, você vira um buda da apresentação quando para de lutar contra isso, porque já entendeu que é um tolo disléxico incapaz de fazer melhor. Com o ego esfacelado, você desiste e na primeira tomada fala “pra mim valeu”, que pelo menos assim o câmera não vai te odiar para sempre por ter que repetir essa porra mil vezes, ele já sabe bem antes de você que não vai ficar melhor.

O diretor executivo

O diretor executivo é um pseudo-zen que lida com pessoas e números. Você acha que essa fórmula dá errado? Dá mesmo! Por isso normalmente eles fazem ioga, ou são vegetarianos, essas merdas que passam a impressão de serem mega calmos. Deve ser para não ter que fazer terapia, ninguém em sã consciência consegue lidar bem com pessoas e números. Ou ele paga de zen pra te mostrar como você é um “desespiritualizado”, e se utiliza disso para negociar seu cachê, quê isso gente, dinheiro é só um detalhe na vida das pessoas, seu consumista de uma figa.

O diretor

O diretor é o cara que delega tanto, mas tanto, que depois tem que viver tentando provar sua real necessidade para o resto do grupo. Ele é importante quando dá uma merda maior entre os membros da equipe, aí seu ego infla num efeito baiacu fantástico e todo mundo em volta fica com cara de sardinha enlatada.

O cara do som

Hein? Quem é esse cara?

Pronto. Se você tiver um espécime de cada, já pode começar a fazer TV. É fácil, lindo e glamouroso. Boa sorte.

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