Pronto. Acabou o período de “ressaca espiritual”, como diria
meu pai, cético que é, tentando se referir ao “inferno astral”. Entrelacei o
último par de nós de dedos no abraço a esse mundo de 31 anos, com tantas
celebrações que a ressaca ultrapassou os níveis da espiritualidade. Já posso
dizer como me sinto aos 31, um número tão primo que tem que ter algo de
especial.
Foram algumas festas: uma, preparada, cafona, no salão de
festas, com mais cerveja do que o necessário, a ponto de sobrar. Outra, no dia
em si, depois da meia noite do dia anterior, voltando de um bar e com o mesmo
bolo da festa cafona, reciclado pelos amigos que estavam aqui em casa. A
terceira, depois de um dia de trabalho, na produtora, com mais uma família que
está me abraçando nessa vida.
Quando a gente tem muita festa de aniversário, experiência
própria, é como se estivéssemos pulando de uma esfera pra outra de nossas
vidas. É porque a vida está recomeçando, com muita novidade, rachada em grupos diferentes,
e aí não se mistura água e óleo. Quer dizer, mistura sim, mas a seu tempo, que
amigo de amigo sempre tem algo em comum, mas o fato é que ainda com tanta festa
ficou tanta gente de fora que a lista da saudade era talvez tão grande quanto a
das pessoas fantásticas que foram me prestigiar. Esse texto é nostálgico porque
não sei se quero dizer tudo de bom ou o que faltou, e os dois têm um toque de
tristeza, o primeiro de um samba bom, o segundo de um bolero cubano, então acho
que partirei pro cotidiano, que nada mais justo que os dias para fazer a
pintura do que se é.
Aos 31 estou lendo três livros intermináveis, porque tenho
que lavar roupa trabalhar em alguns projetos escrever cuidar das plantas e ver
TV. Meus companheiros atuais são a vida de Jung, a de Saramago e uma versão em inglês
do clássico de Jane Austen, Pride and
Prejudice (Orgulho e Preconceito). Éééé, ééééé, tudo cafonérrimo, tudo 31.
Só agora tenho me interessado pela vida alheia a ponto de querer ler
biografias, pra mim valia antes o que o sujeito tinha feito, agora quero saber
também o contexto que os levaram às tais obras, como se segredos fossem
passados nesses compêndios, contar como mentes tão brilhantes surgiram, será
que ainda dá tempo de ser brilhante?, tenho o quê? Que ter passado a infância
no interior? Nasci em Cachoeiro, tá bom não? Se não for o bastante, também, já
era.
Minha velhice precoce vem sendo alimentada desde muito criança,
quer ver, sempre ganhei presente de velho: sabonete, pijama e livro.
Esse ano não foi diferente, e ganhei duas preciosidades: um livro que parece um
método norteamericano de como escrever best sellers, em inglês, que vai me dar super
preguiça de ler (sorry Doug, but it’s true), mas que vai me deixar rica, ÊÊÊÊÊÊÊÊ, e
outro sobre a vida do Anthony Bourdain, que eu amo de paixão (para quem não
conhece, um ex-viciado em heroína que hoje tem dois programas de TV passando no Brasil, sobre
culinária e turismo, um boçal ácido inteligentíssimo). Não vejo a hora de
acabar os outros três pra começar esses dois.
Pra fechar a cafonice, fui celebrar o dia do meu aniversário
em um show do Buena Vista Social Club (um bando de velhinhos cubanos que fazem
a gente chorar só de olhar pra cara linda deles), e logo que entrei fui ao
banheiro pra não perder nem um pedacinho. Uma senhora de uns 60 anos (veja bem,
não era uma super senhora
fantástica de 60 anos, estava bem arrasadinha) cedia sua vez no banheiro para uma outra, dizendo “SENHORA, pode passar na frente”, Meu Jeus Amado, não
vou vou fazer xixi hoje se eu tiver que ceder o meu espaço pras mulheres mais
velhas que eu no recinto.
Mas consegui, e apesar do bullying que elas me enviavam a
cada olhar perscrutador do tipo “que diabos você está fazendo aqui?” eu me saí
muito bem, como a velha que sou aqui dentro há muito tempo e o tempo está se
encarregando de mostrar ao resto. Me
emocionei, chorei com o som que não existe de Chan Chan, sofri de inveja com as mulheres tão belas que cantavam, uma jovem e linda, outra velha, mas de uma energia tão grande, nenhuma mostrava a bunda lá em cima para chamar a atenção do público. Mas, em algum momento, senti que estava faltando alguma coisa. Logo percebi
que o que eu sentia falta era da luz fluorescente de milhares de celulares a
fazerem fotos para o facebook instagram mobli twitter gravação caseira pro
youtube com título “buena vista toca no meu aniversário”. Contive várias vezes
meu impulso de não pegar o meu celular pra registrar tudo aquilo, falhei
algumas vezes, mas noutras me permiti registrar só na minha vista natural, sem
o intermédio do led. Foi bom.
Ainda não sei se aos 31 agirei mais como “pouco mais de
vinte” ou “quase quarenta”, mas percebi que não faz mal espalhar um pouco de
cafonice por aí. E meu desejo pra uma das 93 velinhas foi que o mundo
tenha um pouco menos de juventice e um pouco mais de velhitude.
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