sábado, 6 de julho de 2013

Currículo, Honk Kong e bolas de sabão

 


Engraçado como a gente pensa umas coisas inúteis sobre a vida quando faz trinta anos. Outro dia eu estava atualizando meu currículo e rindo sozinha, se eu colocasse tudo o que já fui nego ia achar muito estranho. Vamos lá: comecei a fazer teatro com uns onze ou treze anos, não lembro direito. Com quinze fiz minha primeira campanha publicitária profissional, mas antes já ganhava um dinheirnho nas peças e como modelo fotográfico e de passarela, e gastava tudo indo acampar sem nenhuma infraestrutura em Itaúnas, e sempre ficava mais tempo do que avisava à minha mãe que ficaria, e sempre ligava tarde demais para avisar já que só tinha um orelhão na cidade. Antes disso fui uma espécie de “promoter” de banana boat, que meu pai comprou com um tio, pena que o treco não funcionava, era o trabalho mais divertido que alguém novo poderia querer. Ah, já fui barlady também, fiz um mini curso de preparo de bebidas inclusive, muito interessante, falava das partes, as densidades de cada coisa, uma parte de licor, duas de suco, uma de destilado, pode experimentar que dá certo.

Que mais? Mais muitos comerciais, e trabalhos B bizarros da agência de modelo, tipo recepcionista de evento, isso era ótimo, era só sorrir quando o evento era de fora, não esperavam que você falasse qualquer coisa a mais que good night, ainda bem, senão ia ficar bem mais difícil conseguir aqueles cem reais. Já fui nerd, era do tipinho que passava bem em concursos (para onde diabos foi essa parte, gente???) e depois veio a faculdade, claro, tinha que ser mais específico, mas tentei rádio, redação e TV, acabei sendo abduzida pela linguagem que já me era mais familiar. Mas também teve espisódios de freelas de assessorias de imprensa, e uma vez que fiquei rodando com um camarada famosinho do mundo do reggae no Cacareco (esse era o nome do meu carro) e eu tinha acabado de tirar carteira e não sabia dirigir direito, e me perdi um dia inteiro tentando encontrar um restaurante em Vila velha e naquele dia atravessei a ponte mais vezes do que o carro-guincho da Rodosol. Acho que essa história nem meu amigo sabe, ele que sempre fala, “lá vem Helena com alguma história do seu currículo esquizofrênico”, mas o de quem não é, se a gente inventasse de incluir essas coisas?

Foi assim que eu parei para pensar, a gente sempre edita essa história, não é? Sempre passa uma imagem, de acordo com o cargo que estamos almejando. Mas quem sou eu de verdade? Sabe, quando era mais criança, pra adolescente, minha família me acusava de “não ter personalidade”.  Eu era taxada de ser maria vai com as outras. “Fulaninha começou a fazer isso, agora Helena quer fazer também”. E muitas vezes eu respondia, é, ela fez, eu vi que era legal, me interessei. Aquilo não me aborrecia muito, apesar de eu achar muito pesada a acusação. Mas realmente, o que é a personalidade? Quer dizer, não é o somatório das coisas que a gente vai imitando dos outros porque gosta? Ou, melhor explicando, não é o conjunto de características que vemos nos outros e nos agrada? Não dá pra tirar as ideias do nada, e eu com certeza ia experimentando e reproduzindo as coisas das quais gostava. Talvez a prática tenha sido esdrúxula e veio mesmo com a naturalidade de encarnar personagens no teatro. E essa tal da personalidade era uma ideia intangível demais para mim, somos o quê, tipo “A Coisa”, uma meleca mais ou menos determinada que nos especifica? Ou tipo uma bola de sabão que guardasse tudo que sou dentro... É isso, naquela idade era mais uma bola de sabão, refletindo e mudando de cor segundo o mundo estava ao meu redor. 

Acho que essa definição é a mais próxima do que seja meu meu próprio verbete de personalidade, como “o conjunto de coisas dos outros que você gosta e pega pra si”. Então velhice é quando você “já tem muita cor e preguiça pra espelhar e começa a emitir uma iridiscência própria”. Aí outras pessoas começam a “gostar de você pelo que você é”, e também tem gente que te reproduz. E então dá vontade de apresentar todo mundo a todo mundo, porque amigo de amigo é mais próximo do que a gente imagina, tem uma intersecção, que sou eu, espelhando algumas cores de um e de outro, apesar da preguiça tem cor que vale a pena.

***

Vou terminar de atualizar meu currículo sem deixar de incluir o curso de gastronomia online da universidade de Honk Kong que comecarei semana que vem.

4 comentários:

  1. Que texto gostoso de ler! E que o curso de gastronomia dê certo :)
    Sabe, esse seu blog me inspirou a criar um novo e contar minha experiências também. Com menos idade, sim, mas com tanta coisa na cabeça que, para não explodir, precisam estar em algum lugar.
    Obrigada pela inspiração!

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  2. Menina, o curso de gastronomia tá punk, kkkkkk!
    Que legal saber disso. Mande o endereço que quero acompanhar o seu tbm!
    bj bj

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