Engraçado como a gente pensa umas coisas inúteis sobre a
vida quando faz trinta anos. Outro dia eu estava atualizando meu currículo e
rindo sozinha, se eu colocasse tudo o que já fui nego ia achar muito estranho.
Vamos lá: comecei a fazer teatro com uns onze ou treze anos, não lembro
direito. Com quinze fiz minha primeira campanha publicitária profissional, mas
antes já ganhava um dinheirnho nas peças e como modelo fotográfico e de
passarela, e gastava tudo indo acampar sem nenhuma infraestrutura em Itaúnas, e
sempre ficava mais tempo do que avisava à minha mãe que ficaria, e sempre
ligava tarde demais para avisar já que só tinha um orelhão na cidade. Antes
disso fui uma espécie de “promoter” de banana boat, que meu pai comprou com um
tio, pena que o treco não funcionava, era o trabalho mais divertido que alguém
novo poderia querer. Ah, já fui barlady
também, fiz um mini curso de preparo de bebidas inclusive, muito interessante,
falava das partes, as densidades de cada coisa, uma parte de licor, duas de
suco, uma de destilado, pode experimentar que dá certo.
Que mais? Mais muitos comerciais, e trabalhos B bizarros da
agência de modelo, tipo recepcionista de evento, isso era ótimo, era só sorrir
quando o evento era de fora, não esperavam que você falasse qualquer coisa a
mais que good night, ainda bem, senão ia ficar bem mais difícil conseguir aqueles
cem reais. Já fui nerd, era do tipinho que passava bem em concursos (para onde
diabos foi essa parte, gente???) e depois veio a faculdade, claro, tinha que ser
mais específico, mas tentei rádio, redação e TV, acabei sendo abduzida pela
linguagem que já me era mais familiar. Mas também teve espisódios de freelas de
assessorias de imprensa, e uma vez que fiquei rodando com um camarada famosinho
do mundo do reggae no Cacareco (esse era o nome do meu carro) e eu tinha
acabado de tirar carteira e não sabia dirigir direito, e me perdi um dia
inteiro tentando encontrar um restaurante em Vila velha e naquele dia atravessei
a ponte mais vezes do que o carro-guincho da Rodosol. Acho que essa história
nem meu amigo sabe, ele que sempre fala, “lá vem Helena com alguma história do
seu currículo esquizofrênico”, mas o de quem não é, se a gente inventasse de
incluir essas coisas?
Foi assim que eu parei para pensar, a gente sempre edita
essa história, não é? Sempre passa uma imagem, de acordo com o cargo que
estamos almejando. Mas quem sou eu de verdade? Sabe, quando era mais criança,
pra adolescente, minha família me acusava de “não ter personalidade”. Eu era taxada de ser maria vai com as outras.
“Fulaninha começou a fazer isso, agora Helena quer fazer também”. E muitas
vezes eu respondia, é, ela fez, eu vi que era legal, me interessei. Aquilo não
me aborrecia muito, apesar de eu achar muito pesada a acusação. Mas realmente,
o que é a personalidade? Quer dizer, não é o somatório das coisas que a gente
vai imitando dos outros porque gosta? Ou, melhor explicando, não é o conjunto
de características que vemos nos outros e nos agrada? Não dá pra tirar as
ideias do nada, e eu com certeza ia experimentando e reproduzindo as coisas das
quais gostava. Talvez a prática tenha sido esdrúxula e veio mesmo com a
naturalidade de encarnar personagens no teatro. E essa tal da personalidade era
uma ideia intangível demais para mim, somos o quê, tipo “A Coisa”, uma meleca mais ou
menos determinada que nos especifica? Ou tipo uma bola de sabão que guardasse
tudo que sou dentro... É isso, naquela idade era mais uma bola de sabão, refletindo
e mudando de cor segundo o mundo estava ao meu redor.
Acho que essa definição é a mais próxima do que seja meu meu
próprio verbete de personalidade, como “o conjunto de coisas dos outros que
você gosta e pega pra si”. Então velhice é quando você “já tem muita cor e
preguiça pra espelhar e começa a emitir uma iridiscência própria”. Aí outras
pessoas começam a “gostar de você pelo que você é”, e também tem gente que te reproduz. E então dá vontade de
apresentar todo mundo a todo mundo, porque amigo de amigo é mais próximo do que
a gente imagina, tem uma intersecção, que sou eu, espelhando algumas cores de
um e de outro, apesar da preguiça tem cor que vale a pena.
***
Vou terminar de atualizar meu currículo sem deixar de
incluir o curso de gastronomia online da universidade de Honk Kong que
comecarei semana que vem.
Conheça a autora
Muito bom Helena! Adoro o blog!
ResponderExcluirMuito obrigada! bj bj
ExcluirQue texto gostoso de ler! E que o curso de gastronomia dê certo :)
ResponderExcluirSabe, esse seu blog me inspirou a criar um novo e contar minha experiências também. Com menos idade, sim, mas com tanta coisa na cabeça que, para não explodir, precisam estar em algum lugar.
Obrigada pela inspiração!
Menina, o curso de gastronomia tá punk, kkkkkk!
ResponderExcluirQue legal saber disso. Mande o endereço que quero acompanhar o seu tbm!
bj bj