sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Minha estação preferida




Começa assim: a gente é meio que obrigado a frequentar o lugar e acaba se acostumando. Como em Vitória era a linha 124 – Estrelinha, que me levava pra tudo quanto é lugar, morando em Jardim da Penha como morei. Dava um calorzinho gostoso no coração quando eu via ele aparecendo lá no final da rua, e vinha à minha cabeça: essa é minha linha de ônibus preferida.

Coisa assim só tem quem vive. Quem está lá por um tempo, e acaba criando laços com coisas inanimadas que se movem, coisas vivas da cidade. E agora já posso dizer que tenho uma estação preferida aqui no Rio. Já decidi. Sou apaixonada pela Cinelândia.

Foi amor à primeira vista, na verdade. Quando vi a águia exuberante do Teatro Municipal, abrindo as asas por sobre a praça de prédios antigos, me senti em casa instantaneamente. Quis a cidade que o trabalho surgisse pros lados de lá também, e que os ônibus não fossem tão eficientes quanto subir as escadas do metrô e dar de cara com aquela praça. E tudo fica mais bonito e apaixonante no inverno, então, senhores, para quem gosta do Rio minha sugestão é que venha pelo menos uma vez nessa época do ano, e que ganhe pelo menos uma tarde na Cinelândia, e agora eu vou explicar mais  por quê.

A Cinelândia, estou dizendo para vocês, é mágica. Ela tem histórias, edifícios gigantes e fantasmas, com certeza muitos fantasmas bem vestidos ficam por lá, no alto das torres engenhosamente colocadas em cima dos prédios velhos. Se eu fosse você, ia fazer uma visitinha no Teatro Municipal, que nem é preciso ir a um espetáculo propriamente dito, lá tem visitas guiadas para se conhecer o prédio, e é baratinho, e é assim também em vários lugares do redor, como a Biblioteca Nacional, por exemplo. E lá, se eu fosse você, também inventava de fazer uma pesquisa qualquer, mas procure na sessão de edições raras, só para ter a sensação de ficar sentado numa mobília estudantil pesada de madeira esperando seu livro velho velho velho mofado chegar.

Quando a pesquisa terminar você estará com fome, porque você provavelmente vai ficar pelo menos um par de horas com os olhos grudados no livro velho sem perceber, que lá os relógios andam conforme o tempo de quem escreveu viveu, e ficar duas horas num livro é normal para um dia que não tem tanta artimanha para comer o nosso tempo como hoje. Então você pode ir para o prédio da Justiça Federal, tudo aqui no Rio vira centro cultural e a Justiça não ia ficar de fora, com mais um prédio lindo e exposições fantásticas. E a fome você guarda para o café que tem no próprio prédio, sugiro o pão delícia, que é um pãozinho tipo de pão de batata com recheio de requeijão, com um capuccino, que combina bem, sim, com os dias frios daqui.

Requentados, podemos seguir caminho antes que a luz diminua demais, e agora minha sugestão é que você caminhe um pouco, até o aterro, para digerir o cérebro. É que no inverno do Rio as árvores do aterro ficam espetaculosas, todas se entregando à explosão de uma cidade que não vê, mas percebe, de canto de olho, uma presença bem vinda, elas tem que gritar de cor para que alguém olhe em sua direção. Mas se você vê, são tão bonitas que hipnotizam... e no trevo exatamente na frente do aeroporto, reparem, tem uma árvore com um caule de diâmetro tão  largo que parece uma cobra que comeu demais, e ela está sempre lá, digerindo toda a seiva do mundo, é a Árvore Fofa, que me dá uma imensa alegria sempre que se mostra, não ache que sou louca que te dou certeza, se você vir a Fofa também vai pensar “Árvore, me dá um abraço”.
 
Se ainda tem massa cerebral e pernas, aproveita que tá do lado do MAM. Se cansou desse lugar, volta então pra praça, que tem o Museu Nacional de Belas Artes, a Livraria Cultura e o Teatro Dulcina, este com cadeiras de madeira, uma sala pequena, preços acessíveis para peças fantásticas. Mas se seu lance for cinema, ali está o Odeon, que é pecado não entrar, vira essa boca pra lá. E depois desse dia, pode sentar num dos bares da praça, que ficam cheios de gente querendo viver o lugar, o mais tradicional é o Amarelinho, se me permite, peça o chopp e uma porção de codorna, e a pequena ave fecha um dia que você não vai esquecer, garanto, não vai não, que os fantasmas te perseguem depois ainda que você entra de volta pra terra, no buraco que te leva de volta para a a nossa década.

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